CORRUPÇÃO – NEPOTISMO E ÉTICA PÚBLICA PUBLICADO EM ZH EM 26.11.1996

NEPOTISMO E ÉTICA PÚBLICA

Prof. Sérgio Augusto Pereira de Borja

E onde uma coisa por si só mesma
se faz bem sem leis, a lei não é neces-
sária; mas quando falta esse bom cos
tume, logo se torna necessária a lei.
Nicolau Maquiavel

O vocábulo nepotismo traz uma inerência conceitual pejorativa. Através da lexicografia constata-se que a origem etimológica da palavra deriva de nepos que significa neto, descendente ou sobrinho(Dicionário Latino – Ed.Globo) aglutinando-se como nepotismo (nepote + ismo), que traduz-se na “atidude de alguns papas que concediam favores particulares a seus sobrinhos…”(Koogan/Houaiss -Enciclopédia). Tudo começou com Alfonso de Borja, em italiano Borgia, que recebeu o cognome de Calixto III, tendo exercido o pontificado durante três anos e beneficiado a seu sobrinho Rodrigo Lançol y Borgia, que também como seu tio assumiu o papado, tendo exercido seu poder a contar de 11 de agosto de 1492 até 18 de agosto de 1503, sob o título de Alexandre VI, durante onze anos e oito dias. Rodrigo de Borja, teve várias amantes e filhos. Com Vanezza Catanei teve quatro, entre os quais César Bórgia(a quem Maquiavel homenageia em O Príncipe), ao qual nomeou cardeal em 1493. Um ano depois de assumir o pontificado tomou uma nova amante Julia Farnesio, com quem teve mais filhos. Assim , com um grande número de filhos, atribuiu-lhes vários territórios da Igreja. Seu nepotismo chegou ao paradoxismo quando, mediante bula fechada em 1º de setembro de 1501, concedeu a seu neto com somente dois anos, filho de Lucrécia, o Ducado de Sermaneta onde situa-se a cidade de Albano. Esta é a história de dissolução e corrupção que jaz indelével no conteúdo conceitual que denota a palavra nepotismo.Mas não estamos aqui para falar do velho mas do novo.

No dia 21 de novembro o Supremo Tribunal Federal desferiu um duro golpe contra o nepotismo no Rio Grande do Sul. Por unanimidade, os ministros do STF suspenderam a liminar concedida pelo Tribunal de Justiça gaúcho, que beneficiava os filhos de conselheiros do Tribunal de Contas do Estado.(ZH) Em dezembro o STF deve analisar a ação direta de inconstitucionalidade contra a emenda aprovada pela Assembléia Legislativa em dezembro de 1995. Esta é uma batalha que não deveria estar sendo travada se ainda existisse moral. Mas como o bom costume caiu em desuso, para os que se locupletam do Estado, então fez-se a lei. Os imorais necessitam que a moral seja projetada como norma legal, para que sob o princípio da legalidade estrita, sejam tipificados, e só assim, coartados, soltem a teta gorda de suas prebendas e sinecuras estatais. No Brasil, mesmo que a Constituição Federal no seu art. 37 disponha, entre outros princípios gerais, que a Administração paute sua atividade obedecendo a moralidade e a impessoalidade, mesmo assim, necessita-se da bilateralidade do Direito para extirpar-se os carcinomas administrativos.

Há uma confusão preconcebida entre confiança e parentesco. Consideramos que mesmo o conceito de confiança, decantado do parentesco, deveria ser sériamente observado e utilizado estritamente em atividades meio que necessitassem uma carga subjetiva ou necessidades técnicas diferenciadas, devidamente aferidas, que somente em casos restritos a permitissem. Assim, o corpo estatal, nas suas três funções, seria um corpo neutro politicamente e de confiança, não dos órgãos do Estado, que ocupam suas funções por delegação do Povo e em seu nome, mas , repito, de confiança do mandante, a Sociedade Civil. Para isto é que se fazem concursos que aquilatam além da proficiência, o mérito e a confiança, através do estágio probatório.

O sistema constitucional argentino está construindo esta possibilidade ética no seu sistema jurídico pois através do art. 36 de sua Carta Magna, reformada, regulamenta que “o Congresso sancionará uma lei sobre ética pública para o exercício da função”(sic).

Recentemente fomos convidados pela Deputada Nacional Sara Liponezky de Amavet e pela ONG VIDHA (Organização Não Governamental, Voluntads Integradas para el Desarollo Humano en Armonia), para discutir ,em mesa redonda, o projeto de lei que regulamenta a constituição federal Argentina. Este projeto visa, em suma, restabelecer a ética na administração pública através de um controle da Sociedade Civil. Determina que esta lei seja aplicável à todas as pessoas físicas que desempenhem a função pública em todos os seus níveis e hierarquias, em forma permanente ou transitória, por eleição popular ou designação direta, por concurso ou qualquer outro meio legal, estendendo-se a todos os funcionários e empregados dos três poderes do Estado, seus órgãos centralizados e descentralizados(sic). Para estabelecer este controle cria uma Comissão Nacional de Ética na Gestão Pública, retirada diretamente da Sociedade Civil, e que funcionará como uma entidade autônoma dos poderes do Estado. Além disso dispõe sobre um Código de Ética na função pública para nortear as atividades funcionais e desta forma, quando do enquadramento e seu julgamento, não se tenham conceitos indeterminados nas tipificações anti-éticas.

Se tivéssemos aqui no Brasil um aparato legal semelhante com certeza a moralidade e a impessoalidade , princípios insculpidos no art.37 da Constituição, não seriam letra morta e mais ainda, a imoralidade armada com o direito de ação não estaria, através de ações e recursos, a protelar seu pontificado.

Porto Alegre, 23 de novembro de 1996.

Sérgio Borja
Professor de Direito na PUC e na UFRGS
tel/fax: 2232610 – E-mail: borja@pro.via-rs.com.br
Publicado no Jornal Zero-Hora em 26.11.1996

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