PODER POLÍTICO QUER VETAR A JUSTIÇA!
Através de manchete garrafal foi anunciado pela grande imprensa que “parlamentares querem o poder de vetar Justiça” (ZH – 26\04\12 pág.20). O artigo elucida que teria sido aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, no dia em epígrafe, por unanimidade uma proposta de emenda constitucional (PEC) que permite ao Congresso sustar decisões do Poder Judiciário. Seu autor seria o deputado Nazareno Fonteles (PT-PI). Ora, o que a proposta propõe é inconcebível num verdadeiro estado democrático de direito pois como formulação está presa a um dilema de lógica conclusivo sobre os motivos de sua autoria: Ou a pessoa que propõe a matéria é dona de uma má fé invencível ou de um não saber acachapante. Não há alternativa fora deste dilema para redimir a gafe legislativa que, pasmem, pelo noticiário, foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça, que é comissão permanente que tem por escopo escoimar, preventivamente, os projetos de sua inconstitucionalidade. A propositura se eivada de má intenção identifica o objetivo do poder político que é desvencilhar-se de seu controle jurídico e imperar sem limitação nenhuma. Isto é, em outras palavras, o coroamento de uma ditadura civil política com poderes ilimitados atribuídos a uma maioria urdida dentro da Partidocracia, que nesta hipótese, confirma os receios que já se ouvem sobre o estado de decomposição institucional em que o político, brandindo o argumento da maioria, não quer mais obedecer o governo das leis mas quer ser o arbitro final no exercício do seu voluntarismo eventual de plantão. Se, a contrário senso, for a ignorância e o desconhecimento da ciência jurídica que induz em erro os proponentes e seus apoiadores é de desculpar a falta de conhecimento como o grande Mestre, em agonia e pregado na cruz, exclamava ao Pai: Perdoai-os por que eles não sabem o que fazem! Esclarecendo a falta de conhecimento dos eleitos é necessário serem advertidos que o Poder Judiciário não é proativo pois ele não é instituído para agir, mas, a contrário sensu, reativo, seja, deve reagir à provocação da jurisdição pela cidadania. É a lição que exala do brocardo latino: “Nemo iudex sine actore!”. Não há juiz sem autor. A Jurisdição deve ser provocada e ela assim é pela cidadania no exercício de uma garantia insculpida na parte dogmática da constituição que atribui ao cidadão o justo e necessário processo legal. De outra banda, reforça esta garantia, o monopólio de prestação jurisdicional que infere um poder\dever do Estado Juiz, de quando requerido, dizer o direito ao caso concreto (Juris dicere\juris dicção). O proponente da tese e seus apoiadores, na Comissão, incidiram, aprovando o mesmo, em inconstitucionalidades que derrogam cláusulas pétreas deferidas, não ao Judiciário, mas a cidadania de quem recebem os votos e a delegação suprema de serem os seus representantes. Perseverar na concreção do projeto é antes de tudo, não só limitar o Judiciário em sua atividade fim, mas abolir, isto sim, precipuamente, garantia de seus eleitores. Em última análise é trair o eleitor, a cidadania, pela abolição de seu direito de demanda. É de lembrar aqui, mais uma vez, que o estado democrático de direito é de direito por que político, exercido pelas funções legislativa e executiva, mas eminentemente de direito, por que jurídico, pois controlado o estado político pela norma de civilização do direito que é ditada pelo Judiciário. O tropeiro e general do povo Honório Lemos bradava: Nós queremos leis que controlem os homens e não homens que controlem as leis. José Gomes Canotilho, príncipe dos constitucionalistas exclama no mesmo sentido: “A Constituição é o estatuto jurídico do político.” Isto é dizer, que o político é gestado pela maioria, mas contido, pelo jurídico, que é a lei. O Judiciário é, em última análise, de forma neutral pois infenso a política, a boca da lei. A iniciativa em tela reforça a atenção daqueles que sabem que a falta de vigilância sobre este tipo de pretensão alvitrado através deste projeto é a corroboração de expectativas espúrias. Medrem elas na má fé ou no pote da ignorância, visam ambas seja qual for sua fonte, extinguir a verdadeira democracia e o regime constitucional de direito. Outra constatação é que a mora ou covardia legislativa, de arrostar com a responsabilidade de decidir assuntos de interesse da opinião pública, frente ao medo da polêmica que pode produzir perda de votos, opta pela dissimulação e pela transferência de responsabilidades, por omissão do Congresso, para o Poder Judiciário, que deveria aplicar uma lei que não foi feita por quem tem obrigação constitucional de fazê-la. Quosque tandem Catilina abutere patientia mostra! PROF. SÉRGIO BORJA – PROFESSOR DE DIREITO CONSTITUCIONAL E RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA PUCRS E PROFESSOR DE INSTITUIÇÕES DE DIREITO DA UFRGS.