HABEAS MÍDIA UM LIMITE AO PODER!

 

HABEAS MÍDIA: UM LIMITE AO PODER DE “CERTA” IMPRENSA!

 

 

I –    Da  Teoria:

 

O Constitucionalismo, fruto das revoluções burguesas do século XVIII, embasado nas doutrinas democráticas iluministas criou e estabeleceu a moderna doutrina do controle do Poder. As funções do Poder já haviam sido identificadas por Aristóteles em seu livro a Política, posteriormente foram tratadas respectivamente pela doutrina nas obras de Harrington , John Locke, Bollingbroke, e Montesquieu, devendo-se a este último, no Espírito das Leis, a classificação e sedimentação de teoria geral do Poder que para ele tinha três funções, a Legislativa, a Executiva e a Judiciária.[1]

 

O modelo constitucional do século XVIII, sob a forma de Constitucionalismo Político Liberal, realimentado pelas vertentes sociais do Constitucionalismo Social Weimariano e do Socialismo, com poucas alterações de fundo, continua ainda a ser o modelo basilar regulador das regras do relacionamento entre o Estado, como Poder (Executivo, Legislativo, Judiciário) e a Sociedade Civil. Esta alternativa que conforme Carl Schmitt conformava o modelo estatal embasava-se em dois princípios: o da distribuição onde se manifestava a esfera da liberdade dos indivíduos, direitos pré-estatais, com uma extensão em princípio ilimitada e o princípio da organização, onde se coloca em prática o princípio da distribuição através do poder do Estado, limitado em princípio, que se expressava através das competências préviamente determinadas das funções do Poder através  da estrita legalidade. Assim manifestava-se o modelo clássico através de uma dicotomia, a Sociedade Civil, cujas franquias e liberdades civis eram escoltadas pelas suas garantias constitucionais, de um lado, e de outro, o Estado, regulado pela parte orgânica das Constituições. [2]Ora, este modelo estatal com seu consequente controle de Poder expresso através da teoria constitucional, que fundamentalmente é o fulcro de seu objeto, nos dias de hoje está superado.

Jürgen Habermas em sua obra “A mudança estrutural da Esfera Pública” conta-nos em detalhes a alteração das relacões do público e do privado e a sua interação nas novas relações de poder. Ele estuda o público e sua relação com o poder, desde os castelos, os palácios, os salões onde foram feitas as revoluções, os cafés e as cervejarias onde surgiram partidos e também revoluções[3], e a alteração paulatina da área pública desde o aparecimento da imprensa com Gutemberg, até os nossos dias quando analisa o mito da opinião pública, já sobre o processo complexo, do impacto previsto por Marshall McLuhan e Quentin Fiore em O Meio são as massa-gens.[4]

 

O poder da palavra escrita e televisionada expressa-se na alegoria traçada por McLuhan em Guerra e Paz na Aldeia Global, quando diz que: “o passo decisivo parece ser que o homem, de um modo ou de outro, construiu uma imagem das coisas apta para representá-las. Provavelmente não é tão importante que isso seja uma imagem gravada – tais como os entalhes paleolíticos de animais – ou imagem acústica – a primeira palavra da imagem representativa. Mas foi decisivo que o homem, de alguma maneira, dissociasse alguma coisa de si mesmo que deveria ficar no lugar de outra coisa. Exatamente como a Bíblia diz com muita propriedade, Adão começou sua carreira no Paraíso dando nomes às coisas e aos animais – e ao fazer isso obteve o domínio sobre eles. Dificilmente pode haver dúvida de que a origem do simbolismo está intimamente ligada à mágica; seja isso palavra mágica – a palavra concedendo poder sôbre a coisa nomeada; ou mágica manipulativa – a imagem de barro é o inimigo, e ele é morto quando a imagem é perfurada por um alfinête[5]. Mas é Jean Baudrillard, em Tela Total, que nos acutila, no ensaio intitulado “A informação no estágio meteorológico” dizendo-nos que “há muito tempo que a informação ultrapassou a barreira da verdade para evoluir no hiperespaço do nem verdadeiro nem falso, pois que aí tudo repousa sobre a credibilidade instantânea. Ou, antes, a informação é mais verdadeira que o verdadeiro por ser verdadeira em tempo real.. ela está como diz Mandelbrot, no espaço fractal, … onde a realidade adapta-se a meras especulações, confunde-se com sondagens, …num dumping …a fundo perdido.[6]

 

Pierre Lévy, em “O que é o Virtual” cita, sintomaticamente a Roy Ascott, Prêmio Ars electronica 1995.  Este, paradodiando Lord Acton, que teria afirmado que “o Poder corrompe sendo que o Poder Absoluto corrompe absolutamente” , dá uma nova versão do Poder, readaptada epistemologicamente,  através da releitura do axioma que se traduz na seguinte fórmula: “A realidade virtual corrompe, a realidade absoluta corrompe absolutamente”. Sob o “leitmotiv” em tela, Pierre Lévy dá abertura  para o seu capítulo introdutório onde começa afirmando textualmente que “um movimento geral de virtualização afeta hoje não apenas a informação e a comunicação mas também os corpos, o funcionamento econômico, os quadros coletivos da sensibilidade ou o exercício da inteligência…atingindo mesmo a constituição do nós…comunidades virtuais, empresas virtuais, democracia virtual[7]

 

Serge Tchakhotine, em A Mistificação das Massas pela Propaganda Política, citando Clyde Miller, mapeia, em estudo profundo os mecanismos psico-sociais, os arquétipos atávicos, imersos na psiqué humana que podem, através de palavras e símbolos serem acionados para criarem comportamentos e semearem uma determinada opinião, classificando-os em: a) alavancas de adesão ou aceitação, que são associadas com palavras como democracia, liberdade, justiça…; b) alavancas de rejeição, que tem a função de rejeitar idéias ou pessoas, invocando, por exemplo, guerra, imoral, facismo, etc..; c) alavancas de autoridade e testemunho, que são empregadas como voz da experiência para fazer com que se rejeite ou aceite idéias , bens, hábitos de consumo ou pessoas; d) alavancas de conformização, que através de palavras de ordem, tipo de a união faz a força, geram linhas de ação agregativas ou dissociativas conforme for a necessidade.[8]

 

Este mesmo tipo de preocupação com a opinião pública é manifestado por Tupã Gomes Correa, doutor em comunicações pela Universidade de São Paulo, quando em sua monografia, Contato Imediato com a Opinião Pública, faz um estudo aprimorado da influência do Quarto Poder, a Imprensa, sobre a opinião pública. Para ele, conforme argumentação esposada ao longo de sua tese, existe uma expropriação e uma exploração da opinião pública que é mistificada.[9]

 

II – Da Constatação de Fatos:

 

 

Poderíamos ficar páginas e páginas discorrendo sobre a literatura existente a este respeito, no entanto urge, discutir sériamente em sociedade este tema palpitante: Imprensa Quarto Poder.

 

Estão tramitando no Senado 12 projetos com relação a regulamentação dos programas de televisão e com relação a Lei de Imprensa sendo que votação será, em princípio, para março de 1998. Certamente, não há tema de tão vital importância como este pois o Direito Constitucional embora regulamente o Poder Institucional do Estado, não criou mecanismos de preservação do espaço da cidadania no que se refere ao Privado quando se manifesta no Público.

 

Sim Privado, por que as empresas de jornalismo são pessoas jurídicas de direito privado que atuam na esfera pública por concessão. Controlam um mercado  de publicidade que  no ano de 1996, estava orçado em U$10,6 bilhões,  sendo que sua participação, em termos percentuais no PIB, avançou da faixa de 1,5% em 1995, para 1,8% em 1996. A participação dos jornais nas receitas publicitárias evolui de 35% para 36%. A da revista caiu de 9% para 8% e do rádio de 5% para 4%, sendo que a TV manteve a liderança entre os meios mais procurados pelos anunciantes, seguida pelo jornal, revista, rádio e outdoor.

 

O Poder da Imprensa manifesta-se também no exercício do espaço da informação sendo que atualmente os Poderes tradicionais sentem-se tolhidos na sua atividade funcional tradicional pela atitude preconcebida e intencional, de certa Imprensa, que manipulando dados molda espaços institucionais como se fosse um oleiro, conformando-os aos seus interesses de empresa em detrimento da sua acepção lídima e prioritária como imprensa, que antecede aquela. Correta é a fiscalização sem peias, o direito de transparência devido ao Povo Soberano.

 

Incorreta a postura da imprensa, quando ultrapassando os níveis éticos, condiciona e coarta os órgãos do poder que quedam-se silentes e medrosos com as consequências da exposição ao sarcasno e ao ridículo. Não estamos aqui para advogar a estatização da imprensa, crime cujos efeitos foram constatados na Rússia e na França; não estamos aqui para advogar seja aplicada uma venda sobre a boca e os olhos da imprensa, mas para que ela seja verdadeiramente livre e não atue a serviço de interesses escusos e que ultrapassam até mesmo as fronteiras do país. Não estamos aqui para tolhermos a liberdade de informação e o exercício profissional vital dos jornalistas, mas para dizer e repetir, que a liberdade do cidadão termina onde começa a dos demais cidadãos.

 

Asseguremos aos jornalistas, inclusive, um regime análogo ao juízes ou funcionários, que lhes permita liberdade e independência com responsabilidade e que, diretamente nesta proporção, sejam-lhes asseguradas estabilidade no emprego, salários dignos e um regime jurídico diferenciado em razão da sua função altamente diferenciada na Sociedade de hoje.

 

Queremos deixar bem claro  que as funções institucionais do poder tradicional do Estado, Executivo, Legislativo e Judiciário, autocontrolam-se mutuamente através do mecanismo de freios e contrapesos (checks and controls).  No entanto não há mecanismo institucional disponível, com celeridade democrática, para efetuar o controle da imprensa  pela cidadania e ela, a Imprensa,  é hoje um Poder, indiscutivelmente, senão o maior entre os outros, o mais letal, nos efeitos que pode gerar com uma conduta antiética.

 

Reafirmamos que não estamos aqui para pregar a volta às trevas e ao regime autocrático da censura e da permissão concedida; nem estamos aqui para advogar o controle sectário de minorias extremadas que exacerbando o estado de direito democrático, invadem plenários e propriedades; estamos aqui, isto sim, para advogarmos uma situação justa e perfeita e que atenda a Sociedade Civil como um todo.

 

Estamos cansados de viver hipocritamente engolindo a lingua para não melindrar interesses, negando para nós mesmos, quando a opinião pública, a voz corrente, insinua insistentemente a origem e a ilegitimidade espúrias do poder de governadores e mesmo o de  presidentes, que seriam, conforme estas vozes insistentes, urdidos nos bastidores deste invencível Quarto Poder. A maledicência das ruas grita tão forte que diz que existem partidos controlados pela imprensa, através de radialistas.Vox populi, vox Dei ?! Façam um programa tipo: Você Decide, controlado pela Sociedade Civil, e logo teremos, estatisticamente, o número dos que acham ou não que certa Imprensa controla governos e deputados e inclusive adquire patrimônio público utilizando-se deste poder.

 

Vamos discutir profundamente este problema, começando pela possibilidade de um jornalista ou radialista, que trabalha com a notoriedade explícita, que habita os lares e as mentes dos cidadãos, tenha o direito de candidatar-se a um cargo político sem ao menos um período de desincompatibilização anterior e posterior .Vamos discutir o conteúdo de justiça, a luz da razão,   da pretensão legalizada atualmente, de em concomitancia com o cargo eletivo permitir-se a permanência no exercício profissional sem nenhum impedimento ou incompatibilidade.

 

Os juízes, que certa mídia considera poderosos e quer retirar seus poderes e garantias, diminuindo inclusive suas aposentadorias, estes não podem fazer política, nem candidatar-se, não podem possuir sequer outro emprego, com exceção  de um outro de professor. Os funcionários públicos, sem aumento  há três anos, não podem ser comerciantes, nem podem viajar ao exterior sem autorização, não podendo também serem gerentes de empresas privadas e se quizerem, no mínimo, poderão cumular com um cargo de professor e, mesmo assim, se forem técnicos. Os trabalhadores deste país tem seus direitos flexibilizados cantados em prosa e verso e decantados por certa imprensa marron, pois, aplique-se o princípio da igualdade para todos e flexibilizemos também os flexibilizadores, que vivem flexibilizando os outros mas não querem serem flexibilizados. Vamos usar o verbo em todos os tempos mas também utilizá-lo nas suas relações com todos os pronomes de tratamento.

 

A todos é evidente que os mais votados são aqueles que tem maior exposição no video ou qualquer um dos meios de informação, sendo que os demais candidatos, normais, não podem nem pintar seu nome na rua, sendo tolhidos violentamente no seu direito de propaganda eleitoral. Evidentemente podemos compulsar estatísticas e constatar que os candidatos da ou na imprensa chegam a fazer até mais de 600.000 votos em algumas eleições, podendo dentro do sistema proporcional, transformarem-se em caciques partidários. Quem vai falar contra esta situação: As empresas ? Não . Elas receiam comparecer ante a rainha das empresas que certamente consultará seu departamento de marketing e propaganda para ver se elas tem comparecido ao guichê pagando a propaganda de todo o dia, brindando-lhes com uma reportagem in loco sobre o preço de alguma das mercadorias da prateleira. Inevitavelmente estarão expostas a concorrência pois são tantos os ítens em estoque sendo impossível manter toda a lista apta à concorrência. Tudo feito corretamente em nome da Liberdade. Certamente não serão os políticos a falarem. Porquê se falarem não terão a oportunidade de serem entrevistados; perderão o direito de exposição na telinha, de participarem de debates, de reportagens, sendo detectado da mesma forma algum defeito que o mesmo possa ter e, o humano, é tão cheio deles que em breve estará exposto ao opróbrio. Diz o adágio popular: Não atire pedras no vizinho quem possui telhas de vidro.

 

Assim tudo continua “como dantes no quartel de Abrantes” e aqueles que tiverem seus nomes expostos em público terão, como consolo, de entrar com uma ação ordinária, que demorará anos e que, possívelmente, já com o pé na cova, finalmente, recebam um ridícula reparação e um canto de página que conteste a manchete de primeira página que lhes tirou a honra. Rasga-se um travesseiro de penas do alto da catedral e vá o infeliz recolhe-las uma a uma, depois do tufão, por todas as tortuosas vielas maledicentes da cidade, do estado e as vezes do país. Ainda assim quantos crimes, lesões e injustiças  em nome e sob o manto sempre casto, hoje monopolizado, da deusa Liberdade.

 

Sim, afirmamos com toda a nossa voz, solidariedade para com a imprensa honesta, isenta, imparcial e saudável, necessária para a democracia, como o ar para os pulmões e o sangue para o coração e ambos para a vida: Censura nunca mais!! Mas também afirmamos: Omissão nunca mais!! Pela razão de que também questionamos o escalonamento das prioridades na inserção das matérias jornalísticas. Podemos ,em suma, dizer que a Imprensa é boa em regra geral, para sermos otimistas, mas que deve ser melhor ainda sendo realmente democrática, isto é, que contemple na medida do possível justo, com equidade, o expectro de toda a Sociedade Civil. Necessitamos um Cade não só para os monopólios das empresas normais, mas também para a imprensa, para que se retire a venda asfixiante dos trusts monopolistas de novelas, de propaganda e programação, que criam a dependência técnica e econômica e o chamado dumping de programação. Resgatemos a moralidade e o controle de horários. Rompamos o condicionamento musical da camisa de força da mediocridade e da violência que gera e induz uma desestabilização psico-social a olhos vistos submetidos que estamos a imputação mimética de comportamentos, costumes, gostos e alternativas de consumo. Eis a anatomia do estupro do espírito, no dia a dia, através do nosso silencio complacente. Temos aqui uma inversão  cinematográfica tupiniquim: Não assistimos ao Povo contra Larry Flint, mas Larry Flint contra o Povo, numa subversão contra Milos Formam e a história real.

 

O Conselheiro Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, o emérito jurista e ex-Ministro  cassado do STF, Evandro Lins e Silva, propôs a volta à pauta de um projeto de Lei de Imprensa elaborado por uma comissão da Ordem dos Advogados do Brasil, projeto este que contempla, recuperando a prática que existiu no Brasil até a instauração do regime militar, de os crimes de imprensa serem submetidos a juri popular ou ao escabinato, que seriam juízes representantes da opinião pública, que conforme seu entendimento, seriam os melhores aquinhoados para julgar este tipo de delito.

 

Para encerrar trazemos nossa contribuição afirmando que, assim como os demais Poderes instituidos ou formais, têm mecanismos de freios e contrapesos entre si, que os controla e fiscaliza mutuamente, possuindo, da mesma forma a cidadania, direito aos remédios constitucionais, tais como habeas corpus, habeas data, mandado de segurança, mandado de injunção, ação popular, ação civil pública, etc.., também necessariamente ela, cidadania, deveria estar munida de um remédio constitucional, que não castrasse a Imprensa, mas que a tornasse sumamente mais democrática, através da instituição do Habeas Mídia. Continuaríamos com a Imprensa fiscalizando os demais Poderes, como ela heróicamente já fez e sempre fará, mas também, reciprocamente, com a possibilidade dela também ser controlada pelo Povo Soberano, como são os demais Poderes desta República. Sairíamos assim, da chamada Idade Mídia ou da vigente Midiocracia. “Honny soit qui mal y pense”. Brado a quem servir: Vista o capuz !!

 

III – Da solução Jurídica: (de lege ferenda)

 

 

Alvitramos a instituição através de emenda constitucional, nas constituições dos países signatários  da Declaração Universal dos Direitos do Homem, adotada e proclamada conforme a Resolução 217  da Assembléia Geral das Nações Unidas, em dez (10) de dezembro de 1948, componentes do MERCOSUL, notadamente para proteção e asseguramento dos direitos declarados nos seus artigos, XII, XVIII, XIX e XXI , de um novo REMÉDIO CONSTITUCIONAL, que corroborado pelas palavras de Bobbio que conforma o reconhecimento e a proteção, não de um homem abstrato, mas um homem concreto[10], através da instituição de um mecanismo processual célere e diferenciado.

 

Rui Barbosa, o célebre e festejado jurista brasileiro prelecionava que os direitos eram declaratórios e as garantias assecuratórias, assim como consequência de sua lição, um direito meramente instituido sem que lhe seja dado, em correspondência, o mecanismo processual, através de um justo e necessário processo legal típico e célere, que assegure aquele direito, transfigura-se numa figura de retórica inócua a adornar a letra morta das leis e tratados.

 

Nesta razão, a fim de que se consubstancie no bloco da constitucionalidade dos vários estados que compõe o Tratado de Assunção, através do princípio da parametricidade que os vincula por força das normas princípios, através de DECISÃO tomada pelo Conselho do Mercosul, a internalização de norma, na forma de emenda às várias Constituições, de remédio constitucional que possibilite a implementação da defesa célere dos direitos ali instituidos, e os seus análogos constantes em suas constituições,v.g., na constituição brasileira de 1988, art.5º, incisos IV, V, VI, IX e X; os referentes a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, aprovada em Bogotá, em 1948, na IX Conferencia Internacional Americana, notadamente em seus artgs. III, IV, e V, e ainda os constantes nos artigos 8º, 10º e 12º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotados e sufragados em nível constitucional pela República Argentina, e adotados também, por Brasil, Paraguai e Uruguai, com base na exposição teórica e dos fatos em epígrafe.

 

Assim, com base nestas constatações e considerandos acima expostos, sugere DE LEGE FERENDA, o seguinte texto legislativo:

 

 

DA EMENDA CONSTITUCIONAL:

 

Inciso n’  –   conceder-se-á habeas mídia, para proteção individual, coletiva ou difusa, das pessoas físicas ou jurídicas, que sofrerem ameaça ou lesão ao seu patrimônio jurídico indisponível, através da mídia, na forma do que for estipulado por lei complementar;

parágrafo – Esta emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação.

 

DA LEI COMPLEMENTAR:

 

artg. 1º – Conceder-se-á  habeas mídia:

  1. a) de forma individual ou coletiva, sempre que , pessoas físicas, sofrerem ou se acharem   ameaçadas pela mídia, na sua liberdade de expressão, ou na sua intimidade, vida privada, honra e imagem, assegurado o direito de indenização pelo dano material ou moral e a proporcionalidade de resposta no espaço similar utilizado pela  mídia  para a ofensa;
  2. b) de forma individual ou coletiva, sempre que, pessoas jurídicas, sofrerem ou se acharem ameaçadas pela mídia, na sua liberdade de expressão, sigilo de operação (marca, patentes e fórmulas) ou imagem, assegurado o direito de indenização pelo dano material ou moral e a proporcionalidade de resposta no espaço similar utilizado pela mídia para a ofensa;
  3. c) não é requisito a “legitimatio ad processum” sendo suficiente a “legitimatio ad causam”, podendo, da mesma forma, o Ministério Público, nas lesões difusas, substituir-se aos titulares da ação na proposição e na sua consecução;
  4. d) o júri, comprovado o “periculum in mora” e o “fumus boni iuris”, poderá conceder medida cautelar ou liminar, deferida préviamente pelo Juíz, “ad referendum”;

 

art.2º  –    Os órgãos jurisdicionais competentes serão Júris:

 

  1. a) No nível municipal, se a lesão ou ameaça restringir-se a esta competência, escabinatos compostos de um membro das escolas de primeiro grau, um membro das escolas de segundo grau, um membro de escola de terceiro grau (se houver), um representante de uma religião, um representante de sociedades recreativas ou clube de serviços, um cidadão de reputação ilibada e de bons costumes, um representante de associações agropecuária, comercial ou industrial, em número total de sete;
  2. a) No nível estadual, se a lesão ou ameaça restringir-se a esta competência, escabinatos compostos…(similar) em nível estadual;
  3. b) No nível federal, se a lesão ou ameaça referir-se a esta competência, escabinatos compostos…(similar) em nível federal;

 

art3º –  A sentença será prolatada por Juiz Togado designado ou especializado sendo que o representante do Ministério Público estará a tudo presente sob pena de nulidade dos atos;

Parágrafo 1º – As liminares poderão  sempre serem concedidas pelo juiz competente, “ad referendum” do Júri.

 

art 4º – Fica vedada a veiculação da violência, como forma de expressão física, psicológica ou sexual, na televisão, no horário das 8:00 hs às 22:00 hs, permitindo-se, no entanto, a notícia de fatos históricos constante do noticiário jornalístico.

 

art 5º – Fica vedada a divulgação e a publicidade de drogas, tais como álcool e tabaco, e outras conforme listas governamentais, nos horário das 8:00 hs às 22:oo hs, tanto no rádio como na televisão;

 

art. 6º – Nenhuma pessoa física ou jurídica ou mesmo grupo econômico de comunicação poderá deter controle de concessão de mais de 49%, dos meios de comunicação, em território estadual ou no nacional;

 

art. 7º – A divulgação da música , da língua e da expressão cultural do povo, na sua inteira diversidade, deverá ser preservada através da divulgação e garantia de percentuais de 30% por canal de divulgação.

 

art. 8º – Os índices de audiência de qualquer mídia deverão ter uma relação direta com a elevação cultural, o lazer, e os bons costumes da comunidade;

 

art. 9º – Agência Nacional Institucional, com características não governamental, fiscalizará o exercício e a aplicação desta lei, servindo como auxiliar externo do Poder Legislativo para monitorar o processo.

 

art. 10º –  É vedada a estatização de qualquer meio de mídia sendo da mesma forma proibida a predominância partidária ou religiosa que contrarie a diversidade democrática, sendo assegurados em quaisquer órgãos fiscalizadores esta diversidade essencial, assim como a proporcionalidade de seus representantes.

 

art. 11º – Os jornalistas terão um estatuto especial que lhes assegure estabilidade funcional e salários compatíveis e dignos com suas atribuições aliados a um regime securitário e previdenciário especial, sendo considerados agentes de alta relevância na formação da Sociedade, garantindo-se, da mesma forma, sua independência profissional e liberdade de pensamento, dentro da linha programática adotada pela canal de mídia;

 

art. 12º – O jornalista que detenha uma função de animador de programa ou, por qualquer meio de mídia, em razão do exercício de sua função obtenha uma condição de notoriedade perante a sua comunidade, caso queira candidatar-se a qualquer cargo eletivo, seja legislativo, judicial ou executivo, terá de desincompatibilizar-se com antecipação de tempo equivalente ao tempo de duração da legislatura do mandato que pretende;

 

art. 13º – É incompatível a qualquer pessoa física, jurídica ou grupo econômico a cumulação de controle societário majoritário sobre empresas de mídia e a concomitância do controle acionário de empresas de telefonia, seja ela fixa ou móvel ou ainda, a da propriedade e operação de provedores da Internet, na jurisdição estadual ou provincial e ainda na nacional, de forma hegemônica.

 

Esta lei entra em vigência 45 dias da data de sua publicação, revogando-se as disposições em contrário.

 

 

TESE PUBLICADA NA GAZETA MERCANTIL EM 22 E 24 DE MAIO – 1998 – E POSTERIORMENTE LEVADA A BUENOS AIRES COMO PONÊNCIA – CONFERÊNCIA PROFERIDA NA UNIVERSIDADE DE LOMAS DE ZAMORA – FACULDADE DE DIREITO E PUBLICADA NOS ANAIS DO CONGRESSO DE DERECHOS HUMANOS SOB OS AUSPÍCIOS DAS NAÇÕES UNIDAS

[1] – Russomano – Rosah  – Curso de Direito Constitucional – Ed. Freitas Bastos – 1997 – RJ – fls. 138 usque 141;

[2] – Schmitt – Carl – Teoria de la Constitución – Editorial Revista de Derecho Privado – Madrid – fls. 183;

[3] – Habermas – Jürgen – Mudança Estrutural da Esfera Pública – Tempo Brasileiro – 1984 – 75 usque 267;

[4] – MacLuhan – Marshall e Quentin Fiore – Os Meios são as Massagens – Record – 1969 – fls 76.

[5] – MacLuhan – Marshall e Quentin Fiore – Distribuidora Record – RJ/SP – 1971 – fls. 59;

[6] – Baudrillard – Jean – Tela Total – Editora Sulina – Poa/RS – 1997 – fls. 59;

[7] – Lévy – Pierre – O que é o Virtual ? – Editora 34 – 1997 – Sao Paulo – fls.11;

[8] – Tchakhotine – Serge – A Mistificação das Massas pela Propaganda Política – Civilização Brasileira – 1967 – fls.101;

[9] – Corrêa – Tupã Gomes – Opinião Pública –  Global Editora – 1988 – SP – fls. 42;

[10] – Bobbio – Norberto – A Era dos Direitos – Ed. Campus – 1992 – fl. 3;

 

ESTE ARTIGO CONTESTANDO O ARTIGO NAO FOI PUBLICADO PELA ZERO HORA

HABEAS MÍDIA

         Em sua recente posse no cargo de Presidente do Tribunal Regional da 3ª Região, o desembargador Newton de Lucca, em seu pronunciamento citou, em prol da liberdade de expressão e da mídia, o instituto idealizado por mim no ano de 1998 o Habeas Mídia. A matéria foi publicada na antiga Gazeta Mercantil, aqui no Rio Grande, nas edições de 22 e 24 de maio de 1998. Posteriormente, no mesmo ano, em outubro, foi levada como tese (ponencia) para ser apresentada no Congresso Internacional de Direitos Humanos da Universidade de Lomas de Zamora, Argentina, em homenagem ao cinquentenário dos Direitos Humanos das Nações Unidas. A tese foi aprovada não como direito, mas garantia, e publicada (pág.52) nos anais daquele Congresso. Também tenho em minha posse placa em bronze comemorativa da ocasião. Posteriormente a tese foi incluída em meu livro intitulado, “O Projeto Democrático” (fls.115\131) prefaciado pelo ex-presidente da OAB, secção do Rio Grande do Sul, Dr. Valmir Batista e lançado na Feira do Livro, em 2001. Na tarde de autógrafos as fotos registram a presença de Valmir Batista, Alceu Colares, Cloraldino Severo, José Fortunati, e os meus saudosos amigos Ricardo Lenz e Moacyr Scliar. A tese que estava a dormitar, como livro, colhendo as poeiras do tempo numa estante, no entanto, estava em latência na Internet em meu site e blog no endereço: http://www.sergioborja.com.br/ Foi ali que o magistrado a colheu, nomeando devidamente a autoria, e brandindo-a como o fez. Esta tese não foi feita nem “tramada à socapa em gabinetes corporativistas.” Foi publicada em jornal e defendida em Congresso Universitário aberto e nos festejos dos Direitos Humanos da ONU. Na forma em que foi aventada e defendida, pois é uma tese inacabada e que buscou e busca contribuições da Sociedade Civil, tem por fim a liberdade de imprensa e não sua mordaça como querem alguns. Analogamente ao Habeas Corpus que traduzido do latim é tenha o seu corpo, a expressão Habeas Mídia, significaria tenha a sua mídia. Em ambas as expressões ontologicamente com a liberdade que lhe são inerentes. O Habeas Mídia seria uma garantia de dois gumes, estabelecendo o princípio do contraditório entre a Mídia e a Sociedade Civil. Ambas poderiam utilizá-lo. Não seria eu professor de Direito Constitucional e por convicção e credo filosófico a advogar a antinomia da Liberdade. Eu, como professor, poeta e escritor vivo dela  e a transpiro em minha profissão e escritos. Alvitrando o instituto imaginei preservar as opiniões, com a manutenção da verdade que brota do contraditório. Como ZH o faz agora. Publicou a matéria de meu ilustre e preclaro colega o professor Bem-Hur Rava, intitulada “Velha mordaça, novo nome” (ZH 18.04.12) mas agora me oferece a oportunidade de dizer minha versão como o faz com a publicação deste artigo. Se não houvesse esta oportunidade aí, nesta hipótese, caberia a impetração do mesmo ainda de lege ferenda. Em suma, o instituto pretende como afirmou o jornalista Jayme Sirotsky em artigo lapidar publicado nesta coluna: Censura nunca mais! Sim. Para ambos os lados da margem do rio da informação que deve correr livre em direção ao mar da Opinião Pública!   SÉRGIO BORJA Professor de Direito Constitucional e Relações Internacionais da PUCRS e Professor de Instituições de Direito da UFRGS.

 

DISCURSO DO MAGISTRADO NEWTON DE LUCCA  EM SUA POSSE COMO PRESIDENTE DO TRF 3 REGIÃO

Jurei, ao assumir meu mandato, na sessão de 17 de fevereiro último: “bem desempenhar os deveres do cargo, cumprindo e fazendo cumprir a Constituição da República, as leis do País e o Regimento Interno do Tribunal Regional Federal da 3ª. Região.” Sempre me perguntei — fazendo-o, também, naquela oportunidade — qual deveria ser o verdadeiro sentido e alcance deste juramento tão solene… Quanto às considerações sobre o Regimento Interno, eu as teci, de forma singela, no referido dia 17 de fevereiro. Não me pareciam de interesse geral e, por isso mesmo, resolvi adiantá-las naquela tarde… Acho pertinente, na noite de hoje, dizer algumas palavras — ainda que breves, por certo — sobre minha visão da ordenação jurídica brasileira, principiando pela Constituição da nossa República de 1988, emendada mais de sessenta vezes… Quase vinte delas atingiram o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, fazendo crer que ela, até o momento, ainda não entrou definitivamente em vigor, sem embargo, é claro, da apaixonante discussão. ainda existente no Supremo Tribunal Federal, sobre a possibilidade de alteração do ato das disposições constitucionais transitórias pelo Poder reformador, tão brilhantemente exposta pelo Ministro Poeta Ayres Britto, em artigo publicado na obra em homenagem ao Eminente Prof. Fábio Konder Comparato,1 da qual tive a honra de participar… Pior do que essa desconcertante instabilidade, no entanto, é o fato de que o povo brasileiro — a quem, sob os influxos da chamada Razão Cínica, de que nos fala o filósofo esloveno Slavoj Zizek, atribui-se-lhe a titularidade da soberania — jamais foi consultado em qualquer uma delas… 1 Cf. “O Ato das Disposições Transitórias na Constituição Brasileira de 1988: Breves Notas”, BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita; BERCOVICI, Gilberto; MELO, Claudinei de. Direitos Humanos, Democracia e república: Homenagem a Fábio Konder Comparato – São Paulo: Quartier Latin, 2009, pp. 205 a 214, 2 Se é certo que o art. 14 estabelece que a soberania popular será exercida não apenas pelo sufrágio eleitoral, mas mediante plebiscitos e referendos, reza o inciso XV, do art. 49, ser competência exclusiva do Congresso Nacional “autorizar referendo e convocar plebiscito”. Como disse o referido Prof. Fábio Comparato, a quem tanto devo da minha formação moral e jurídica: “De acordo com o entendimento prevalecente, tais atos de autorização e convocação são condições indispensáveis para que o povo tenha direito de manifestar sua vontade política. Ou seja, o mandante está proibido de tomar decisões, a não ser com a prévia licença do mandatário; o que representa, sem dúvida, original criação do espírito jurídico brasileiro!” Como escrevi, certa vez, numa carta publicada no jornal “O Estado de São Paulo”, no tempo da ditadura militar, é fácil explicar porque o movimento surrealista, que tanto sucesso fez em várias partes do mundo, passou quase despercebido em nosso meio. É que, sendo a arte um sucedâneo da realidade, o País não precisava de tal tipo de escambo, sendo, além de gigante, também surrealista pela sua própria natureza… Confesso a todos, aliás, minha dificuldade quase insuperável para filiar-me às correntes majoritárias de pensamento que fazem uma interpretação anêmica — ou até mesmo anoréxica — daquilo que a Constituição da República chama de soberania popular e os meios pelos quais ela se exerce. Vamos a um caso concreto — e bem recente — em que se realizou um plebiscito. Outro tivesse sido o resultado dele, no dia 11 de dezembro último, entre os eleitores do querido Estado do Pará, conspurcado estaria, para mim, o verdadeiro sentido e alcance do § 3 do art. 18 da Constituição Federal, como bem assinalado pelo Eminente Professor Dalmo Dallari, em artigo ainda inédito, entre nós, para um livro que ajudei a organizar em homenagem ao nosso ilustre Vice-Presidente da 3 República, aqui presente, e, desta feita, jurista Michel Temer. Diz, então, o Prof. Dalmo: “Assim, pois, a realização de um plebiscito para conhecer a vontade do povo sobre uma proposta de criação de novos Estados não é um privilégio que se concede a uma parte do povo, excluindo da participação a maioria desse mesmo povo, não tendo em conta seu interesse direto na conclusão, pelas graves consequências que dela decorrerão e que deverão ser suportadas pela totalidade do povo brasileiro. A concessão de um privilégio dessa espécie a uma parte da população brasileira, com o menosprezo dos direitos fundamentais do restante da população, seria evidentemente inconstitucional.” Desço dos píncaros da Constituição da República, para o bom desempenho do cargo, deixando em paz os milhares de diplomas legais em vigor, no País, sem me esquecer, no entanto, daquela famosa frase de Otto Von Bismark no sentido de que certas leis são como as salsichas: melhor é não ver como elas foram feitas… Ou, ainda, da sombria, mas verdadeira, passagem de Honoré de Balzac, para quem as leis são como teias de aranha: caem nelas os pequenos insetos, os grandes atravessam-nas… Bastaria ver, a esse propósito, como foram formadas muitas das grandes fortunas brasileiras… Como já assinalei em várias oportunidades anteriores, existem contradições intoleráveis na legislação da Previdência Social, na legislação penal e em tantas outras… O homem do povo, infelizmente, parece desconhecer essa verdade elementar de que o Poder Judiciário nada tem a ver com as imperfeições da nossa ordenação jurídica, sendo escusado dizer, é claro, que não estou inocentando aqueles magistrados que se aferram ao positivismo de superfície e à teoria da tripartição dos poderes para resolver seus problemas de consciência… Bem sei que, por esta e tantas outras “hiperinformações desinformantes”, vive a Magistratura brasileira dias inevitavelmente 4 sombrios, ora caracterizados pela tragicomédia dos números. Em recente aposentadoria antecipada, escreveu a seus colegas o eminente Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, Antônio Carlos Vieira de Moraes: “Sombrios tempos atuais onde se impõe ao magistrado que se dispa de sua toga para envergar um macacão fabril, transformando o legítimo operário do direito, como sempre fomos, em um mero aplicador de súmulas, ementas e decisões padrão, em busca, apenas, de atingir a produtividade estabelecida. Se é verdade que justiça tardia não é justiça, não menos verdadeiro que a pronta injustiça também não o é. E, muito mais grave, essa pronta injustiça é final e definitiva, pois produzida no segundo grau de jurisdição.” Poreja desse sincero desabafo, como é curial, o estado de infinita tristeza que toma conta da alma de boa parte da Magistratura brasileira… Exige-se dela, de um lado, segundo Resolução do CNJ disciplinadora da matéria, que tenha conhecimentos de Filosofia do Direito, de Sociologia Judiciária, da Teoria Geral do Direito e da Política, entre um sem número de disciplinas, que seria por demais fastidioso enumerá-las…. Mas, de outro lado, em nome da “razoável duração do processo”, exige-se que esses mesmos juízes decidam rapidamente, pouco ou nada importando o que sairá no papel, fruto desse trabalho apoucado e maquinal. A palavra de ordem é tirar o processo da mesa, pois o jurisdicionado tem direito a uma solução, sendo despicienda a consideração axiológica de ela ser justa ou injusta. A esse espetáculo circense, que tanto encanta os que apreciam os refletores luminosos do edifício, mas tanto decepciona os que trabalham anonimamente na construção dos alicerces, deu-se o epônimo de “meta”. E eu, convencido de que aprendo mais com os poetas do que com órgãos de controle — que, com frequência, deixam-se levar pelas manifestações da turba manipulada e enfurecida — recordo, 5 naturalmente, daqueles versos do Ministro do Supremo Tribunal Federal, Ayres Brito: “Não tenho metas Ou objetivos a alcançar Tenho princípios E na companhia deles Nem me pergunto Aonde vou chegar”,2 Ave, Poeta Ayres Brito, os homens probos deste País o saúdam!… Afinal de contas, caberia, então, perguntar: Como poderão os nossos juízes ajudar na construção de uma sociedade livre, justa e solidária, como preconiza nossa Constituição da República, em seu art 3º, inciso I, à qual juraram solenemente cumprir, se não podem sequer refletir sobre as dificuldades mínimas e as mazelas máximas do povo brasileiro?… É certo que já nos conformamos com a renúncia dos sonhos mais belos de um país que fosse livre das oligarquias existentes, mas não dá para renunciar a um mínimo de consciência crítica que aprendemos nas Universidades… Não é à toa que, mais de dois mil anos depois, sentese a vontade de repetir, tal qual Cícero contra Lúcio Sérgio Catilina: “Quousque tandem abutere, Catilina, patientia nostra?”, ou em vernáculo, “Até quando, Catilina, abusarás da nossa paciência?” Assim é que, com corajosa resignação, continuarei a nutrir minha aversão congênita pelas pirotecnias enganosas do establishment atual, que não distingue a liberdade da libertinagem, as prerrogativas dos privilégios, a qualidade da quantidade, e ainda faz do embuste e do patrulhamento ideológico o apogeu da tirania… 2 Poema intitulado “Princípios”, do livro “A pele do Ar”, Aracaju/SE: Editora Jornal O Capital Ltda-ME, 2001, p. 23. 6 Todos nós almejamos e preconizamos uma imprensa livre, como não poderia deixar de ser. Enquanto investigativa e criteriosa há de merecer todo nosso respeito e loas, pois constitui a própria “vista da Nação”, de que nos falava o grande Rui Barbosa. Por outro lado, há de ser solenemente repudiado aquele jornalismo trapeiro, tão bem identificado pelo nosso Professor Paulo Bonavides, já em 2001:3 “Com efeito, trata-se aqui da mídia — esta, sim, a caixa preta da democracia, que precisa ser aberta e examinada para percebermos quantos instrumentos ocultos, sob o pálio legitimante e intangível da liberdade de expressão, lá se colocam e utilizam para degradar a vontade popular, subtrair-lhe a eficácia de seu título de soberania, coagir a sociedade e o povo, inocular venenos sutis na consciência do cidadão, construir falsas lideranças com propaganda enganosa e ambígua, reprimir e sabotar com a indiferença e o silêncio dos meios de divulgação, tornados inacessíveis, a voz dos dissidentes e seu diálogo com a sociedade, manipular, sem limites e sem escrúpulos, a informação, numa aliança com o poder que transcende as raias da ética e tolher, enfim, a criação de uma opinião pública, livre e legítima. Se o bloqueio já é perverso, executado por brasileiros, breve se fará insuportável, comandado por agentes estrangeiros da recolonização.” Contra esse tipo de jornalismo — e de blogueiros que, à míngua de talento próprio, vivem a denegrir criminosamente a honra alheia — prometo que prosseguirei firme no meu caminho, feito um cego teimoso, como haveria de dizer superiormente o grande gênio de Fernando Pessoa, defendendo irrestritamente a criação do habeas midia, de que nos fala o professor gaúcho Sérgio Borja, não apenas em favor dos magistrados que estão sendo injustamente atacados, é claro — como eu mesmo já fui, em 3 Cf. Teoria constitucional da democracia participativa, São Paulo: Malheiros, 2001, p. 64. 7 passado não muito distante —, mas de todo o povo brasileiro, que se encontra a mercê de alguns bandoleiros de plantão, alojados sorrateiramente nos meandros de certos poderes midiáticos no Brasil e organizados por retórica hegemônica, de caráter indisfarçavelmente nazofascista… Aproveito este momento, aliás, para cumprimentar o Eminente Presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, Desembargador Ivan Sartori, por sua corajosa e determinada posição no sentido de processar o jornal “A Folha de São Paulo”, pois a honra da toga não pode ser tisnada por aqueles que se esmeram em praticar sistematicamente o vilipêndio de pessoas e instituições que se esforçam por uma Justiça melhor… Nascemos com a espinha dura, Caro Presidente Ivan Sartori, e com ela assim haveremos de continuar até à morte… Não deixarei de lutar contra aqueles que, à socapa, conspiram contra o Poder Judiciário, ainda que esta luta possa estar perdida por antecipação diante do atual estado de coisas no Brasil, pois a máxima “mieux vaut um désastre qu’un désêtre”, ou, se se quiser, “Mais vale um desastre que um deixar de ser”, proposta por Badiou, serve à maravilha para o presente caso. Por mais que me esforce, sei que cometerei erros inevitáveis, mas socorro-me daquela memorável passagem de Samuel Beckett, segundo a qual, após o erro, pode-se continuar e errar melhor, enquanto a simples indiferença — marca registrada dos nossos tempos — aprofunda-nos cada vez mais “no lamaçal do Ser imbecil”, de que nos fala o filósofo Zizek. Os que me conhecem sabem que sou uma espécie de dissidente convicto e com carteirinha assinada. Sempre propus — e continuo a propor — uma ruptura teórica com o suposto bem-estabelecido. Tenho dito e repetido que a Justiça deve ser séria e não sisuda, sóbria e não 8 sombria, de qualidade e não de quantidade… A sisudez, aliás, não passa de armadura dos parvos, conforme já nos assoalhava Montesquieu… Penso que o grande desafio contemporâneo dos apologistas de uma justiça universal, entre os quais humildemente me incluo, consiste na superação do Estado de Direito, constituído por normas e burocracia, pelo Estado de Justiça, composto por valores e decisões. Para tal desiderato, e para que a justiça seja, efetivamente, a dimensão teleológica do Direito, urge contarmos com o apoio de uma imprensa séria e responsável, não apenas livre, mas também libertada do chamado “cárcere das elites”… Serei muito provavelmente acusado de ser um homem excessivamente apegado às utopias, para mim uma espécie de pátria irrecusável. A etimologia da palavra utopia, com efeito, tem tudo a ver comigo: nunca estou, nem nunca estive em nenhuma parte… E para que servem, afinal, as utopias? Alguém de cabeça privilegiada já respondeu que elas servem para caminhar… Mais do que isso, elas são, para mim, o núcleo fundador da experiência humana, que faz transcender nossa própria sede de infinito… Como dizia nosso Rui Barbosa: “Maior que a tristeza de não haver vencido é a vergonha de não ter lutado”… Sempre sonhei e continuarei a sonhar, nas palavras de Octavio Paz, com “uma comunidade universal na qual, pela abolição das classes e do Estado, cesse o domínio de uns sobre os outros e a moral da autoridade e do castigo seja substituída pela da liberdade e da responsabilidade pessoal — uma sociedade em que, ao desaparecer a propriedade privada, cada homem seja proprietário de si mesmo e essa ‘propriedade individual’ seja literalmente comum, compartida por todos graças à produção coletiva; a ideia de uma sociedade na qual se apague a distinção entre o trabalho e a arte” será sempre, para mim, uma ideia irrenunciável… 9 Estou bem ciente de que, por outro lado, apesar de tantas utopias, ficam sempre mais coisas más do que boas… Não é à toa que, na epígrafe de um de meus poemas, evoquei aquela arrepiante passagem de Shakespeare (na peça Júlio César, ato II, fala de Marco Antônio): “O mal que os homens fazem vive depois deles. O bem que puderam fazer permanece quase sempre enterrado com os seus ossos.” Há que se trabalhar — era escusado dizê-lo —, com redobrado afinco, mas com a sobriedade de um templo grego, por uma Justiça mais eficiente e mais eficaz, sendo esta, como bem se sabe, a Justiça do que é possível, já que a plenitude da realização da justiça, como bem assinalado por Rimbaud, há de ser um prazer apenas pertencente a Deus… Permitam-me que lhes diga, agora, algumas palavras sobre a ética, a verdadeira e absoluta titular desta festa. Dizia o nosso Barão de Itararé que, no Brasil a vida pública é, muitas vezes, a continuação da privada. Muito tempo antes dele, já no início do século XVII, Frei Vicente do Salvador denunciava esse nosso costume antirepublicano: “Nem um homem nesta terra é repúblico, nem zela e trata do bem comum, senão cada um do bem particular”. E Gilberto Freyre, talvez mais do que ninguém, mostrou de forma irrespondível, para quem quisesse ver, essa ostensiva e desconcertante predominância do interesse privado sobre o geral… Está mais do que na hora de sepultarmos para sempre essa perniciosa mentalidade de que o dinheiro público assemelha-se a uma res nullius… É preciso lutar, mais do que nunca, contra o relativismo ético dos tempos modernos e contra a “banalização do mal”de que nos fala Hannah Arendt. Parafraseando o velho rifão popular, diria que decência e dedicação não fazem, nem nunca fizeram, mal a ninguém… Só o resgate ético poderá contribuir decisivamente para o advento de um futuro solidário na história da humanidade. Como assinalei em 10 minha última obra, temos duas correntes históricas profundas diante de nós e nos indagamos expectantes qual delas deverá prevalecer neste século XXI: a que se funda no poderio bélico, na dominação tecnológica e na progressiva concentração do poder econômico; ou, ao revés, há de ser aquela que se escora, heroicamente, na dignidade transcendente da pessoa humana… Se, efetivamente, desejamos esse segundo caminho, torna-se absolutamente imperioso e urgente pensarmos num programa de reconstrução ética do mundo, o que só será possível se voltarmos às lições dos clássicos… Passando às linhas derradeiras, não posso deixar de tornar a agradecer a todos os que aqui vieram… Ao nosso querido Vice-Presidente da República, por sua honrosa presença e, sobretudo, pelas carinhosas palavras com que tão amavelmente me saudou; Quadra agradecer, igualmente, às palavras amigas do eminente Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção de São Paulo, Dr. Luiz Flávio Borges D’Urso, excessivamente generosas para que possam ser verdadeiras… Mas, Caro Presidente D’Urso, socorro-me do nosso grande escritor potiguar, Câmara Cascudo: é sempre bom ouví-las, ainda que não sejam de todo verdadeiras… Todos sabem o quanto amei a advocacia e o quanto devo a ela. E quando for vitimado pela fatalidade burocrática da aposentadoria compulsória, a ela espero voltar para dar o melhor de mim no pouco tempo que ainda há de me restar… Cabe-me dizer o mesmo ao Dr. Rogério Donini, Presidente da Academia Paulista de Direito, e ao Confrade, Dr. Ricardo Sayeg, excessivamente generosos também, nas palavras tão amavelmente a mim dedicadas… Agradeço, ainda, aos meus colegas da Corte, a quem devo o privilégio de estar ocupando esta tribuna na imorredoura noite de hoje… 11 Agradeço ao Ministério Público Federal, por sua honrosa participação nesta noite de gala. Sempre admirei profundamente o trabalho dessa instituição que lutou e luta bravamente contra aqueles que vivem a tripudiar sobre a nossa ordem jurídica. Também eu, quer como advogado, quer como magistrado, tive muita vontade de denunciar uns vinte ou trinta bandoleiros que andam por aí à solta, dos quais omitirei os nomes… Parafraseando nosso Murilo Mendes, é claro que tenho o receio íntimo de que muitos excluídos de minha lista julgassem que os admiro, coisa absurda… Não posso deixar de agradecer, ainda, aos servidores do Tribunal que trabalham comigo, desde as primícias de minha atividade jurisdicional, há mais de quinze anos… Souberam eles imprimir nas minutas dos meus despachos, decisões monocráticas e votos, a honradez, a ética e a fé inabalável na busca da justiça… Agradeço aos verdadeiros amigos que tenho e que não me abandonaram em nenhum momento desta longa e áspera caminhada, aceitando-me do jeito que sou, com todas as limitações que me são inerentes e malgrado meu imperdoável defeito de colocar a res publica, axiologicamente acima dos laços da própria amizade. Cabe um agradecimento especial ao Presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, amigo Paulo Skaf, pelo decidido apoio fornecido a esta solenidade, fazendo com que ela se realizasse neste teatro encantador, palco de tantas glórias… Cumpre agradecer à querida família que sempre me apoiou incondicionalmente, na minha peregrinação acadêmica e profissional, a despeito da pouca ou quase nenhuma atenção que lhe dedico… À minha mãe, Armida, sobretudo, com seus 93 anos já vividos, fica meu agradecimento especial e comovido, por comparecer a esta memorável noite. Não pôde ela estar presente em minha posse no Tribunal, no já 12 distante 26 de junho de 1996, pois nesse mesmo dia meu pai querido nos deixava e ela não pôde estar comigo, tendo de suportar a dor de permanecer ao lado de seu leito de morte. Não me deixes hoje, mãe querida, pois minha frágil alma provavelmente não seria capaz de aguentar tamanho sofrimento… Aquela “graça triste de te haver esperado adormecer primeiro”, de que nos falava o poeta Cassiano Ricardo, na elegia que fez para sua mãe, não me consolaria o suficiente se não contasse hoje com tua carinhosa e indispensável bênção … À Cristina, esposa deste estranho e díscolo lobo das estepes e à Thais Helena, filha e doadora de três seres, Davi, Pietra e Laís, que, além de doçuras de meu entardecer, passaram a ser o leitmotif de minha luta contra o inexorável avanço da senectude, muito mais do que um simples agradecimento, ofereço-lhes minha imorredoura gratidão. Por derradeiro, cumpre um agradecimento muito especial a Deus. Como católico que sou, é ele dedicado ao Nosso Senhor Jesus Cristo. Estou plenamente convencido ter sido por obra Dele que cheguei até aqui… Ninguém como Ele soube me ensinar tão bem o quanto se ganha com as derrotas impostas pela vida. Agradeço-Lhe, assim, com as mãos para o alto em forma de oração, pela última derrota eleitoral recentemente sofrida, quando fui levado, por força das circunstâncias, a candidatar-me, a uma vaga no Superior Tribunal de Justiça de nosso país. Enfim, À quelque chose malheur est bon, já dizia o velho ditado gaulês… Sem ela eu não poderia estar onde estou nesta inolvidável noite de hoje. Com a mente preocupada, é certo, pelas graves responsabilidades do cargo e do encargo, mas com a alegria de estar me entregando de corpo e alma a todas as questões do nosso Tribunal, desde a pobreza franciscana de recursos financeiros até a busca incansável de uma reforma administrativa; desde a saída adequada para o atraso existente em nossa 13 Informática até a reserva de espaço na garagem para que nossos servidores possam vir trabalhar utilizando-se de bicicletas no lugar de automóveis… Há um mundo de coisas a fazer, é certo, mas eu as farei com a ajuda dos meus pares e de todos os nossos servidores que, para minha enorme alegria, estão “vestindo a camisa”, com coragem e dedicação deveras invulgares… Prometi, de início, apenas uma breve exposição — sensaborana, por certo — carecedora daquele mínimo de poesia e de graça, que lhe outorgasse um pouco de perfume, numa noite tão engalanada como esta… Peço vênia a todos, então, para reproduzir o mesmo final de que me utilizei no discurso de posse na cadeira de Professor Titular da minha querida Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, socorrendome de alguns trechos de um dos mais belos poemas do nosso poeta Ferreira Gullar, já que não cometeria a cinca de dizer um poema de minha própria autoria: Metade Que a força do medo que eu tenho, não me impeça de ver o que anseio. Que a morte de tudo o que acredito não me tape os ouvidos e a boca. Porque metade de mim é o que eu grito, mas a outra metade é silêncio… Que a música que eu ouço ao longe, seja linda, ainda que triste… 14 Que a mulher que eu amo seja para sempre amada mesmo que distante. Porque metade de mim é partida, mas a outra metade é saudade. Que as palavras que eu falo não sejam ouvidas como prece e nem repetidas com fervor, apenas respeitadas, como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimentos. Porque metade de mim é o que ouço, mas a outra metade é o que calo. Que essa minha vontade de ir embora se transforme na calma e na paz que eu mereço. E que essa tensão que me corrói por dentro seja um dia recompensada. Porque metade de mim é o que eu penso, mas a outra metade é um vulcão. 15 Que o medo da solidão se afaste e que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável. Que o espelho reflita em meu rosto, um doce sorriso, que me lembro ter dado na infância. Porque metade de mim é a lembrança do que fui, a outra metade eu não sei. Que não seja preciso mais do que uma simples alegria para me fazer aquietar o espírito. E que o teu silêncio me fale cada vez mais. Porque metade de mim é abrigo, mas a outra metade é cansaço. Que a arte nos aponte uma resposta, mesmo que ela não saiba. E que ninguém a tente complicar porque é preciso simplicidade para fazê-la florescer. Porque metade de mim é platéia e a outra metade é canção. E que a minha loucura seja perdoada. Porque metade de mim é amor, e a outra metade… também E nesta unidade do Poeta — que é, também, a minha unidade — quero ter minha consciência tranquila de que fiz tudo o que podia para a construção de um mundo fundado na Justiça e no Amor… Muito obrigado a todos pela extrema paciência com que me ouviram…

 

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