PROLEGÔMENOS DO PROCESSO CONSTITUCIONAL: PERPECTIVAS E CRISE ( publicação na Revista Gralha Azul do Paraná)

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PUBLICAÇÃO NA REVISTA GRALHA AZUL DO PARANÁ:

PROLEGOMENOS DO PROCESSO CONSTITUCIONAL: CRISES E PERSPECTIVAS

 

1 – PROLEGOMENOS

 

Ontologicamente o processo constitucional tem o cerne de sua justificativa e disciplina derivado do Princípio da Supremacia da Norma Constitucional. A Constituição, por sua parte, pode compreender a parte Orgânica que organiza o Poder e suas Funções, no Tempo e no Espaço; a parte Dogmática que contém a enumeração dos Direitos e Garantias Individuais, que conforme John Locke, no seu Segundo Tratado Sobre o Governo, são aqueles direitos que antecedem o precedem o Estado, regrado por uma Constituição, que são aqueles direitos cognominados como inalienáveis[1]; a parte dos Direitos Políticos e a parte relativa aos Direitos Sociais, dependendo do modelo constitucional. Os modelos constitucionais podem ser o Político Liberal, dito tese ou dual, composto de uma parte Dogmática, que coloca sua ênfase na Liberdade e na Individualidade privada  e uma parte Orgânica( Ex; Constituição EUA); sua antinomia ou antítese também dual, o modelo Socialista ou também chamado Comunista, contendo duas partes, a Orgânica e a Dogmática, diferentemente do Político Liberal este coloca sua ênfase na Igualdade Socialista ou Comunista colocando sua denotação na Coletividade( Ex: URSS); o tertium genus que seria a síntese entre a tese Político Liberal e sua antítese Socialista ou Comunista seria o modelo Social próprio do Constitucionalismo Social que possui três partes, uma Dogmática que organiza o Estado; uma parte Orgânica que cria uma mesotes ou meio termo distribuindo com equilíbrio e harmonia Liberdade e Igualdade criando assim, com base no conceito de Fim Social uma terceira parte na constituição que se chamaria Social Democrata que contém o compromisso dos direitos sociais trabalhistas, previdenciários, educacionais, moradia, agrários e saúde e toda a gama de direitos sociais com suas garantias tendo portanto, três partes que tornam isonômicos tornando-os possíveis e factíveis na realidade e, não só na ficção imaginária, o símbolo semiótico da revolução francesa composto de Liberdade, que é um estar do Eu; de Igualdade que é uma relação entre o Eu e o outro Eu[2] equalizados e assim factíveis, pois Egoísmo e Altruísmo são situações oponentes, pela e através da Fraternidade que é a equipolência ou isonomia fraterna entre o Egoísmo Racional, como diz Ayn Rand[3] e o Altruísmo Racional, comunista de Babeuf, Marx e Lênin, harmonizados e equilibrados pela Fraternidade da Mesotes Aristotélica na sínteses das Constituições Mexicana de 1917, na Constituição de Weimar de 1918 ou nas Constituições Europeias que se vinculam a Constituição à União Europeia . O Brasil, com a revolução getulista de 1930, na constituição de 1934 adentrou o Constitucionalismo Social e daí em diante perseverou neste modelo num chamado Bloco Constitucional Social[4] de mais de noventa e dois anos  através da reiteração das constituições subsequentes, a de 1937, a de 1946, a de 1967, 1969 e a constituição Cidadã de 1988. Deflui do conceito de Constituição através de seu cotejo com as normas da legislatura comum a sua Supremacia inconteste e isto se dá de forma histórica pela distinção entre as lois du royaume e lois du roi, leis do reino e leis do rei em que aquelas eram superiores a esta; tanto o  Compact Act como a subsequente  Constituição de 1787 dos EUA cujas normas eram superiores sempre a legislação ordinária; também o arresto proferido pelo Chief of Justice, Marshal nos EUA, que através de um dilema irrefutável infere duas categorias e axiomas que são a supralegalidade das regras constitucionais e na imutabilidade de seus preceitos sobre a legislação ordinária; também do Conceito aurido por Emmanuel Siéyès, em sua obra O que é o Terceiro Estado onde identifica o Poder Constituinte Originário, mentor da Constituição através de uma Assembleia Constituinte, Agente do Povo Soberano titular originário da Soberania Popular e daí a inferência maior da supremacia da Lei Magna, fruto do Poder Constituinte sobre as demais leis que são fruto do Poder Constituído menor que o poder que faz a Constituição[5][6]; outro argumento que se coloca em favor da supremacia das normas constitucionais sobre as demais é o  de Hans Kelsen em sua obra Teoria Pura do Direito que assim se expressa ¨todas as normas cuja validade pode ser reconduzida a uma e mesma norma fundamental formam um sistema de normas, uma ordem normativa. A norma fundamental é a fonte comum da validade de todas as normas pertencentes a uma e mesma ordem normativa, o seu fundamento de validade comum. O fato de uma norma pertencer a uma determinada ordem normativa baseia-se em que o seu último fundamento de validade é a norma fundamental desta ordem…uma tal norma, pressuposta como a mais elevada, será aqui designada como norma fundamental ( Grundnorm) …sendo esta que  constitui a unidade de uma pluralidade de normas enquanto representa o fundamento de validade de todas as normas pertencentes a essa ordem normativa.”[7]  José Alfredo de Oliveira Baracho em sua célebre obra Processo Constitucional atesta que “a origem do Processo Constitucional moderno pode ser determinada no Direito Comparado com o surgimento da declaração de inconstitucionalidade, com perfis jurídicos definidos e bem caracterizados nos Estados modernos, com o surgimento das Constituições afirmando que Héctor Fiz-Zamudio traçou retrospectivo da evolução da Justiça Constitucional, com exaustivo exame do controle de constitucionalidade dos atos de autoridade, com quadro geral das instituições protetoras das normas constitucionais, através de primoroso levantamento das mesmas em todos os Estados em que surgiram;” afirma ainda este autor que “as reflexões em torno do Processo Constitucional, Justiça Constitucional e da Inconstitucionalidade da Lei não fizeram com que autores, como Enrique Vescovi, deixassem de apontar a existência de outros processos que pretendem proteger diretamente as normas constitucionais incluindo entre elas o remédio constitucional cognominado amparo mexicano recepcionado em vários estados latinos; o processo contencioso administrativo assim como também o mandado de segurança brasileiro, contemplando também os remédios constitucionais tais como habeas corpus; a ação popular; o mandado de injunção; o habeas data além de incluir a teoria da separação dos poderes e o sistema de freios e contrapesos que daí dimana; Baracho cita o grande processualista Mauro Capelletti como principal criador de uma sistemática de Processo Constitucional realçando a defesa jurídica da Liberdade e daí a expressão  que empresta a esta como jurisdição da defesa e preservação da Liberdade valor maior constitucional. O grande constitucionalista José Afonso da Silva salientando a importância da Justiça Constitucional  traz a colação as conclusões finais do II Colóquio de Direito Constitucional, em Sochagota, Colômbia, em novembro de 1977, demonstrando, na enumeração que segue a importância inconteste desta temática, pois assim :

  1. A Justiça Constitucional configura um dos supostos fundamentais do Estado Moderno, para servir de contrapeso efetivo entre um Poder Executivo, cada vez mais hegemônico, e um Poder Legislativo, eu está cada vez mais ambíguo em sua estrutura e funcionamento;
  2. A Jurisdição constitucional é um suposto fundamental para a preservação dos Direitos Humanos;
  3. Pela natureza específica de sua função e pelos mecanismos de atuação de que dispõe, a Justiça Constitucional é o instrumento mais apto para a garantia e a proteção dos direitos humanos, ao mesmo tempo que constitui no melhor instrumento de controle e da tutela para funcionamento democrático dos demais poderes do Estado;
  4. Para que a Justiça Constitucional possa cumprir com seus objetivos, torna-se necessária a existência prévia de condições políticas que assegurem sua independência, pressuposto essencial para que ela seja capaz de garantir os princípios fundamentais que inspiram os ordenamentos constitucionais democráticos;
  5. A criação de Cortes ou Tribunais Constitucionais específicos, cuja competência, devido à complexidade da vida prática no Estado Moderno, deverá ampliar-se a todos os aspectos que possam determinar ofensas ou violações à ordem constitucional;
  6. A ampliação das competências da Justiça Constitucional não assim como o resultado político deste conhecimento não irá despojá-lo de seu caráter jurídico.[8]

Ora, se a Constituição e as normas constitucionais tem a supremacia sobre as demais logo se apresenta o problema do controle das normas sob o ângulo ou prisma de sua constitucionalidade ou não, seja de sua compatibilidade formal e material com a Constituição como tal. Assim é que ao longo da história do Direito Constitucional foram surgindo os sistemas de controle sendo que logo se apresentou um problema fundamental que seria o relativo à natureza deste órgão, se político ou jurídico. Assim, alguns teóricos do direito, consideram a relevância política das normas constitucionais em vista de se tratar o Direito Político por excelência e sua derivação legislativa original em contraste com as leis ordinárias a serem controladas subsequentemente, também oriundas do Poder Constituído, com características eminentemente políticas. Deduzindo-se que se atribuídas à um órgão jurídico este se sobreporia à função Legislativa desiquilibrando assim a partição das funções do Poder. Por outro lado, um grande número de jusfilósofos e juristas considera que dada a natureza de Lei da Constituição e da legislação ordinária nada melhor do que um controle legal ou eminentemente jurídico por parte do órgão que assim estabelece a coerência hierárquica entre as normas constitucionais, hierarquicamente superiores e as normas supervenientes e inferiores. [9] O exemplo dado por Rosah Russomano de controle por órgão político é o da alternativa que seguiu as ideias defendidas por Hans Kelsen, em 1920, na Áustria.[10]  Giorgio Lombardi em sua célebre obra sobre a polemica entre Carl Schmitt e Hans Kelsen sobre a justiça constitucional adentra com razões altamente esclarecedoras as alternativas de controle político adotado na Constituição Austríaca e o controle Jurídico alvitrado pelos americanos através de sua Suprema Corte. [11] Em estudo preliminar ao debate entre Kelsen e Schmitt Giorgio Lombardi argumenta sobre este enfoque, a alternativa, ou um órgão controlador judicial ou um órgão controlador eminentemente político:

“Mas em realidade, a proposta surgida na práxis jurídica e judicial dos Estados Unidos , marca a distancia nas relações entre o poder legislativo e o poder judicial e, poderíamos acrescentar também, entre os poderes do Estado e o poder Judicial, com respeito a consideração teórica e prática sobre a forma de salvaguardar a constitucionalidade das leis. De fato, nos Estados Unidos não era motivo de surpresa nem de escândalo que um juiz bloqueasse, ou melhor dizendo, desautorizasse, um ato do poder político e, especialmente, do poder legislativo, senão que resultava completamente normal que, ante uma Constituição rígida – e a dos Estados Unidos o era – se tivesse por admissível que formavam parte do ordenamento jurídico normas suscetíveis de violar preceitos da Constituição. A lógica que atua por trás destas razões resulta bastante ilustrativa para os afeitos que aqui se perseguem. Assim a resposta a pergunta sobre como e por que surge na América um controle de constitucionalidade ligado a ação dos juízes, se encontra nas mesmas causas porque a eles não sucede o que acontece nos ordenamentos europeus. O ponto de partida em ambos é comum, o poder judicial se considera ideológica e praticamente mais débil que o poder legislativo e normativo: a divisão de poderes atua contrária ao poder judicial e não a seu favor. O resultado é que a garantia constitucional se vê ameaçada tanto na América como na Europa, mas enquanto na América o poder judicial é capaz de reagir encontrando um fundamento de sua posição que vá mais além da missão que lhe concede a Constituição, na Europa subsumida entre a dependência burocrática do monarca e a material do órgão que produz o direito aplicável, a judicatura fica finalmente constrangida à função estrita que marca a lei nascida do parlamento. Desde logo, não é arbitrário pensar que o ordenamento constitucional nos Estados Unidos deriva em seu conjunto de algo mais profundo que a vontade do legislador, na origem poder constituinte que, produzindo o direito positivo, oferece através da medida a justiça como pura legalidade. Nos Estados Unidos, um dos fundamentos da atividade judicial é a tutela dos direitos, podendo-se falar de tutela dos direitos não só por que são criados pelo direito positivo, como frutos do direito positivo, mas em realidade senão como que resultam de eles mesmos, estes direitos, anteriores ao Estado, em relação ao qual representam condição eficiente de sua existência e símbolos de sua garantia. Assim é que a divisão de poderes nos EUA parte de algo mais profundo, é dizer, surge de uma estrutura de direito fundada sobre normas anteriores ao Estado. Funde e esteia suas raízes no direito natural, assim é que o juiz americano converte-se em juiz dos direitos e não um juiz da legalidade como os europeus. Incumbe ao juiz, em primeiro lugar, restabelecer a observância dos direitos e valores que estão sobre e antes da Constituição e, por tanto, aí ao poder judicial cabe, como tal, considerar inoperantes todas as normas que violem estes direitos. Precisamente por isto a divisão de poderes potencia a posição do juiz americano, exatamente ao contrário do que ocorre em toda a história constitucional da Europa continental, em que prevalece o positivismo jurídico frente ao princípio do ius naturale.[12]

No que respeita a jurisdição constitucional Hans Kelsen manifesta-se desta forma a este respeito dizendo que “ao lado dessa significação geral comum a todas as Constituições, a jurisdição constitucional também adquire uma importância especial, que varia de acordo com os traços característicos da Constituição considerada. Essa importância é de primeira ordem para a República democrática, com relação à qual as instituições de controle são condição de existência.” “Contra os diversos ataques, em parte justificados, atualmente dirigidos contra ela, essa forma de Estado não pode se defender melhor do que organizando todas as garantias possíveis da regularidade das funções estatais. Quanto mais elas se democratizam, mais o controle deve ser reforçado.” “A jurisdição constitucional também deve ser apreciada desse ponto de vista. Garantindo a elaboração constitucional das leis, é um meio de proteção eficaz da minoria contra os atropelos da maioria. A dominação desta só é suportável se for exercida de modo regular. A forma constitucional especial, que consiste de ordinário em que a reforma da Constituição depende de uma maioria qualificada, significa que certas questões fundamentais só podem ser solucionadas em acordo com a minoria: a maioria simples não tem, pelo menos em certas matérias, o direito de impor sua vontade à minoria. Somente uma lei constitucional, aprovada por maioria simples, poderia então invadir, contra a vontade da minoria[13] , a esfera de seus direitos constitucionais garantidos. Toda minoria – de classe, nacional ou religiosa – cujos interesses são protegidos de uma maneira qualquer pela Constituição, tem, pois, um interesse eminente na constitucionalidade das leis. Isso é verdade especialmente se supusermos uma mudança de maioria que deixe à antiga maioria, agora minoria, força ainda suficiente para impedir a reunião das condições necessárias à reforma da Constituição. Se virmos a essência da democracia não na onipotência da maioria, mas no compromisso constante entre os grupos representados no Parlamento pela maioria e minoria, e por conseguinte na paz social, a justiça constitucional aparecerá como um meio particularmente adequado à realização dessa ideia. A simples ameaça do pedido ao tribunal constitucional pode ser, nas mãos da minoria, um instrumento capaz de impedir que a maioria viole seus interesses constitucionalmente protegidos, e de se opor à ditadura da maioria, não menos perigosa para a paz social que a da minoria. [14]” “Mas é certamente no Estado federativo que a jurisdição constitucional adquire a mais considerável importância. Não é excessivo afirmar que a ideia política do Estado federativo só é plenamente realizada com a instituição de um tribunal constitucional. A essência do Estado federativo consiste – se não enxergarmos nele um problema de metafísica do Estado, mas isto sim, numa concepção inteiramente realista, um tipo de organização técnica do Estado – numa divisão das funções, tanto legislativas como executivas, entre órgãos centrais competentes para todo o Estado ou seu território (Federação, Reich, União) a uma pluralidade de órgãos locais, cuja competência se limita a uma subdivisão do Estado, a uma parte de seu território ( estados federados, províncias, cantões, etc), com representantes desses elementos estatais, designados de maneira imediata (Pelos parlamentos ou pelos governos estaduais) ou imediata (pela população da circunscrição), participando da atividade legislativa central, e eventualmente também da atividade executiva central. Em outras palavras, o Estado federativo é um caso especial de descentralização. A disciplina dessa descentralização é o conteúdo essencial da Constituição geral do estado, que determina principalmente que matérias serão regidas por leis centrais e que matérias que serão de competência exclusiva da União e as que serão de competência exclusiva dos estados federados. A repartição de competências é o cerne político da ideia federalista. [15] Quando do debate no Instituto Internacional de Direito Público onde participaram eminências internacionais como Duguit, Jéze, Berthélemy, Gascón y Marin e Fleiner, Hans Kelsen a pedido de Jéze, expõe os resultados da criação na Áustria, pela Constituição federal de 1920, da Suprema Corte Constitucional e as conclusões que se pode tirar dessa experiência, atualmente única. Até aqui, o funcionamento dessa Corte, que pode anular tanto as leis federais como as leis estaduais, não suscitou críticas sérias. Sem dúvida, a intervenção política no exercício do julgamento é um perigo inegável do sistema, que é necessário enfrentar. Mas acaso o exercício do controle pelos tribunais ordinários preserva desse perigo? Acaso os juízes não têm uma orientação e preconceitos políticos? O exemplo da Suprema Corte americana não prova isso? O problema essencial é, portanto, o da composição da jurisdição constitucional. Na Áustria, os juízes da Suprema Corte são eleitos pelo Parlamento; mas somente seis deles, dos vinte, podem ser escolhidos entre os membros das Assembleias legislativas; os catorze outros são geralmente juristas de carreira, escolhidos notadamente entre os professores de Direito Público. São portanto esses membros não parlamentares que constituem a maioria e impõem as decisões, ao passo que os membros parlamentares dos partidos opostos se equilibram. Portanto a Constituição austríaca deu espaço à politica; concedeu-lhe um lugar oficial na composição da Corte, o que tem a vantagem de permitir que seus membros não parlamentares não levem em contra os interesses políticos em jogo, já que os membros parlamentares naturalmente os levam em consideração. Até agora, esse sistema deu resultados bastante satisfatórios. No entanto, desde já, os partidos políticos começam a se esforçar para instalar, nas vagas de que os parlamentares são excluídos, partidários oficiais ou oficiosos seus. É um grave perigo”.[16] (grifei!)

Por outro lado, criticando o sistema judiciário ou jurídico do modelo da corte americana Édouard Lambert escreveu uma legítima catilinária contra este sistema sob o nome de O Governo dos Juízes caracterizando o sistema americano com seus dons de fazer cessar a evolução social e a reinvindicação dos trabalhadores e operários sendo assim uma forma reacionária de conservação e possibilitação do aglutinamento do capital ou da liberdade em detrimento do princípio igualitário em voga na Europa, notadamente na França e na Alemanha.[17]

Resumindo a matéria podemos constatar que o controle ou a jurisdição constitucional pode se dar de forma preventiva, antecipando a criação da lei, ou de forma repressiva quando a lei ou o ato a serem controlados já se aperfeiçoaram pela promulgação ou sanção; o controle também pode se dar de forma direta, difusa ou mista, conforme seja feito por uma corte superiora através de ações específicas de inconstitucionalidade, declaratórias de constitucionalidade, de omissão constitucional, etc ou ainda por exceção e de forma difusa podendo ser alegado perante qualquer juiz como soe ser nos EUA ou no Brasil. Rosah Russomano coloca que a competência para declarar uma lei inconstitucional não se restringe à órbita dos tribunais ou à do pretório mais hierarquizado – Corte Suprema nos Estados Unidos, Supremo Tribunal Federal no Brasil. Qualquer juiz singular, pois, mesmo no início de carreira, verificando ao decidir determinado litígio, que a lei contraria o que a Constituição dispõe pode assim declarar sua inconstitucionalidade deixando de aplicar a lei em epígrafe. Rosah relata que Chile, Venezuela e Japão reservam aos Tribunais Superiores a competência para solver melindres de inconstitucionalidade. [18]

Sem adentrar a afetação da formação e do funcionamento dos partidos diretamente sobre a funcionalidade do Poder e o Controle da Constitucionalidade o meu querido professor de Ciência Política no meu longínquo curso da Faculdade de Direito da UNISINOS, depois meu preclaro colega já na Faculdade de Direito da UFRGS, o saudado Dr. Cezar Saldanha Souza Júnior, resume de forma magistral uma profunda crítica sobre os sistemas em geral e notadamente sobre o modelo brasileiro. É sua a palavra nas conclusões de sua obra O Tribunal Constitucional como Poder ou Uma Nova Teoria da Divisão dos Poderes onde, verbum ad verbum se explicita dizendo:

“ Até o constitucionalismo do segundo pós-guerra, os países de tradição romano-germânica não haviam conseguido construir um sistema de controle da constitucionalidade para garantir, efetivamente, a supremacia da Constituição. A grande polêmica Kelsen Schmitt do final dos anos de 1920 desvendou a razão: insuficiência institucional. A defesa da Constituição, nessa tradição, requer uma instância independente e superior à legislação – e, com maior razão – à da governação e à da administração (as quais dependem do Parlamento para a fixação do endereço político de suas ações), bem como à instância da própria jurisdição ordinária (que se expressa, basicamente, pela aplicação da legislação formal). Os europeus recusaram-se a atribuir a defesa jurisdicional da Constituição ao chefe de Estado, ao parlamento, ao governo, à administração, por razões já aqui expostas. Providenciaram um poder independente de todos: O Tribunal Constitucional. “

“Diferentemente, nos Estados Unidos da América, a adoção da tripartição dos poderes não foi obstáculo ao surgimento de uma jurisdição constitucional, assumida pelo poder judiciário, por meio de uma inteligente construção jurisprudencial. Duas ordens de fatores operaram aí.”

“A primeira e principal, o casamento perfeito da tradição de commow law com a Constituição escrita. No commow law, a legislação normal é fonte secundária, e não primária, do direito. Direito é, antes de tudo, produto do costume e do precedente judicial. O direito legislado formal ( o statute law), mesmo quando crescente, funciona como um instrumento para ajudar o Judiciário a resolver conflitos; ele é “sociodigerido” pelo commow law, costumeiro e judicial. O Judiciário, não é um órgão (burocrático) do Estado, mas um braço (em muitos lugares ainda eletivo) da sociedade. É o poder mais importante em matéria de direito. Cria direito, com força vinculante do precedente, erga omnes. E a Constituição – aí o segredo – funde-se ao núcleo desse sistema sociodigestor, o commow law, e, incrustrada nele, torna-se critério a ser legitimamente usado pelo Judiciário no julgamento das aplicações concretas do direito legislado. Portanto, o Judiciário assume, naturalmente, o controle da constitucionalidade, na medida em que a Constituição une-se ao coração principiológico do commow law, como mais um instrumento – e entre todos o mais forte – para o processamento do statute law.”

“A segunda ordem de fatores, complementando, a primeira, liga-se a duas características específicas da sociedade norte-americana: autogoverno e consenso. Nos Estados Unidos a sociedade se autogoverna, tanto no espaço territorial ( a força do governo local é enorme, sobrando, em matéria de governo, pouco para o nível federal), quanto no espaço setorial (os serviços públicos são regulados pelo próprio setor privado que os presta, restando pouco à esfera política). Tais características, bem americanas, reduzindo a densidade ideológica da política e minorando os perigos da politização do Judiciário, reforçaram a viabilidade desse modelo de jurisdição constitucional.”

“O modelo americano de controle de constitucionalidade, adotado no Brasil em 1890-1891 nunca operou adequadamente. O direito brasileiro entronca-se na tradição romano-germânica. E commow law não se improvisa, nem se copia.”

“A funcionalidade do modelo vem se deteriorando à medida que cresce a abertura da Constituição a valores, a partir já de 1946. Sem o menor esforço de compatibilização, o direito constitucional brasileiro, em 1965, simplesmente agregou uma forma cabocla de controle direto e abstrato de constitucionalidade de normas. A Constituição de 1988, sem outras melhorias, cingiu-se a ampliar dramaticamente a legitimação ativa da ação direta, estendendo-se praticamente a todos os setores da sociedade ( uma actior popularis, temida por Kelsen).”

A livre competição ente os dois modelos aumentou a irracionalidade do sistema brasileiro. O controle em concreto acaba chegando ao Supremo Tribunal pela via de recurso extraordinário. O controle em abstrato da Constituição da República é competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal, proposto diretamente perante ele. Embora o Tribunal seja o mesmo, os pressupostos, as técnicas e os efeitos, as consequências, a própria concepção de inconstitucionalidade que está implícita em cada um dos dois modelos, são diferentes e, em certo sentido, até contraditórios. Na azáfama da prática diária, entretanto, é impossível a um mesmo órgão diferençar bem os tratamentos. Cede-se a tentação irresistível de importar, sem maior análise e critério, os institutos cuidadosamente desenvolvidos pelo Tribunal Constitucional Alemão. O resultado é uma confusão generalizada. Pior, para não dizer trágica, as instâncias inferiores têm sido levadas, por efeito demonstração, a imitar a desenvoltura com o qual o Tribunal de cúpula do Poder Judiciário,  fascinado pelo Tribunal Constitucional europeu, movimenta-se sobre a legislação e, mesmo, contra ela, concretizando diretamente – e cada juízo a seu modo – os valores supremos do ordenamento. Está armado o palco para o “uso ideológico” dos instrumentos jurídicos, às custas da legalidade, da razoabilidade e da segurança jurídica, na falta de uma instância que garanta a objetividade mínima dos valores superiores do ordenamento. “

“Diante do quadro caótico, que ameaça ferir de morte o Estado de Direito, o efeito vinculante das decisões dos tribunais superiores, a jurisdição constitucional concentrada e o Tribunal Constitucional são ideias que vêm multiplicando adeptos, sem um estudo de conjunto consistente.”[19]

A explanação em epígrafe e destaque da abordagem crítica do ilustre Professor Dr. Cezar Saldanha demonstra cabalmente a crise nacional brasileira, suas contradições, na persecução de seu desiderato maior que é fazer valer a Constituição e os Direitos Inalienáveis da cidadania. O ilustre professor faz uma análise profunda e inteligente com sua metodologia e pesquisa eminentemente jurídica não fazendo reparos, embora mencione a derivação da “ideologização” dos julgados, não adentra o processo interativo entre a estrutura partidária eleitoral e o sistema de divisão funcional do Poder urdido por Montesquieu na sua obra O Espírito das Leis que foi sufragado por grande parte das nações civilizadas e recepcionado na Constituição Americana de 1787 e no Bloco Constitucional Brasileiro Republicano a partir de 1891. Assim é que a literatura da Ciência Política, da Filosofia e Sociologia compilam obras que demonstram numa evolução dos partidos políticos por mais de trezentos anos de suas linhas evolutivas, transformações e deformações que chegam a pós-modernidade com demonstrações de perversão ou deformação de suas concepções originais como instrumentos de representação, viabilização da Vontade do Povo Soberano, desde as teoria iniciais e a discussão inicial do mandato imperativo ou mandato ficcional da representação da Vontade Geral como muito bem Carrè de Malberg e a visão de Emmanuel Siéyès dissentiram a este respeito. São bem dizer concomitantes as obras dois ilustres teóricos um deles o ilustre e emérito professor José Antônio Giusti Tavares, meu saudoso professor e amigo particular,  e o outro filosofo festejado em todo o Globo o saudado Jürguen Habermas ambos com obras específicas sobre a temática da interferência e da absorção do estado, pelos partidos, através ou da perversão de extinção, já agora do mito da separação das funções do Poder, ou do aparelhamento do estado e sua parcialização e extinção do princípio republicano da impessoalidade amplamente demonstrados, estes tristes fenômenos, que se refletem no que tanto advertia Kelsen seja, a indicação de juízes ou magistrados, para as cortes superiores, clientes devedores deste sistema iníquo que leva a tornar as maiorias dissolvidas num caldo altamente fisiológico cujo escopo maior é não a satisfação do Povo como credor originário das atenções do estado e suas autoridades mas, simplesmente, como instrumentos usados como trampolim para a conquista do poder e a manutenção do mesmo pervertendo toda a concepção idônea do Constitucionalismo e dos patriarcas fundadores da Teoria Geral da Ciência Política e da Teoria Geral do Estado. O Professor José Giusti Tavares citando Joseph Schumpeter e m sua obra Capitalismo, socialismo e democracia e nos aportes desenvolvidos por Anthony Downs na obra Uma teoria econômica da democracia, publicada em 1957, chega a conclusões inusitadas para o grande público leigo sobre a interação entre sistemas partidários e a partição do poder e inclusive sua influência e afetações sobre os diversos sistemas de governo. Tavares estuda e analisa as influências recíprocas do sistema bi partidário e multipartidários sobre o presidencialismo, o parlamentarismo e os demais sistemas governamentais. A obra volumosa e magistral do professor Giusti Tavares é aquela intitulada Sistemas Eleitorais nas Democracias Contemporâneas.[20] Jürguen Habermas, no mesmo ano que Giusti Tavares publicou sua tese, em 1994, publicou sua obra Direito e Democracia entre a facticidade e validade.[21] Assim é que Jurgüen Habermas, como se quisesse impor uma legítima “touca” no sistema brasileiro, a interação e conúbio dos partidos no Presidencialismo de Coalisão, com o aparelhamento em regime de verdadeiras capitanias hereditárias que é coonestado num insustentável regime do “quem indica”, do “quero meu”, do afilhadismo e do compadrio que informam, num profundo loteamento do estado e privatização da área pública, com suas manobras de advocacia administrativa e amplo tráfico de influencia que minam e subvertem a Democracia em sua acepção estrita e solapam mais e mais o verdadeiro Estado Democrático de Direito fazendo com este não seja mais que uma ficção ou uma aparência mordaz para acalmar investidores e os olheiros internacionais e cultores e censores desta ordem que dizem e clamam pelo estabelecimento de Democracias na estrita acepção da significância deste termo sem as conotações espúrias a que a nossa realidade cabocla, como usa o preclaro e admirável professor Cézar Saldanha para acutilar este sistema deformado e hediondo em que as crises e os escândalos se sucedem na colisão constantes das três funções do Poder refletindo-se da mesma forma na incoerente postura de um Supremo Tribunal e Tribunais Superiores e entes novos criados pela Partidocracia Congressual, que empalmando o poder e o estado desfiguram perante a nação escandalizada a política, o direito, e os conceitos de república, democracia e governo. Certamente necessitaríamos de um novo Cícero que clamasse frente ao povo e ao seu estupor a expressão cunhada em argúcia e veraz por si só contra a Tirania e seus Déspotas: “Quosque tandem Catilina abutere patientia mostra!”.

Não se necessita lembrar o leitor que os partidos no Brasil usaram de uma figura de retórica ou de um eufemismo pois onde toda a doutrina sufraga os partidos como tendo personalidade jurídica de direito público, ao contrário, a Partidocracia que empolgou o Poder Constituinte Congressual e não Poder Constituinte de uma Assembleia Exclusiva de delegados do Povo Soberano, esta Partidocracia, deu aos Partidos uma natureza privada como sufraga a Constituição de 1988 e no entanto, paradoxalmente, a eleição dos “representantes do povo”, se assim se pode dizer que o são, pois alguns representam bionicamente o vazio demográfico desde a Constituinte e mesmo reiteradamente como expressão de Poder Constituído. Sim, os partidos “privados” usam bilhões de fundos públicos eleitorais sem contar o poder de emenda parlamentar que lhes dá o direito de abocanhar outros bilhões para transferirem direto aos seus clientes eleitores como bem descrevem tanto Jurguen Habermas como o Dr. Giusti Tavares em sua ampla tese sobre o modus operandi dos partidos e suas afetações sobre a Tripartição dos Poderes, melhor dizendo das funções do Poder e sobre o seu loteamento e “asenhoramento” sobre o estado. Jurguem Habermas de certa forma faz uma sinopse do estudo profundo de Giusti Tavares pois com o condão de um estilo de síntese e enxugado ao máximo assim visualiza a ação dos partidos que parece que reproduz a realidade nacional que se subsume ao texto: “ A crítica atualmente se dirige contra a estatização dos partidos políticos visa, em primeiro lugar, a uma prática que instrumentaliza a concorrência entre os diferentes programas que buscam o assentimento público de eleitores para fins de recrutamento de pessoas e para a distribuição de cargos. Trata-se de uma diferenciação institucional entre duas funções, que os partidos assumem, apoiados em boas razões. Enquanto catalizadores da opinião pública, eles são chamados a colaborar na formação da vontade política e na educação política (com a finalidade de qualificar os cidadãos para exercer o seu papel); porém , enquanto máquinas de recrutamento, eles fazem seleção de pessoal e enviam grupos de líderes para o sistema politico. Essas duas funções se confundiram na medida em que os próprios partidos se transformaram em componentes desse sistema. Pois, na perspectiva dos detentores do poder administrativo, os partidos assumem seu poder de participação como se fosse uma função de regulação e consideram a esfera pública política como um ambiente do qual eles extraem a lealdade das massas. O público dos cidadãos deveria poder reconhecer-se na pessoa dos guias dos partidos democráticos, e não na de um chefe de administração. Estes guias deveriam distinguir-se pelo esforço em interpretar adequadamente as necessidades, em escolher temas relevantes, em descrever corretamente os problemas e em propor soluções melhores para os problemas. Enquanto a concorrência democrática não lhes conferir uma reputação superior à dos detentores do poder administrativo, a política continuará mantendo sua falsa aréola. Pois, no Estado Democrático de Direito, tifo como a morada de uma comunidade jurídica que se organiza a si mesma, o lugar simbólico de uma soberania diluída pelo discurso permanece vazio.[22]

 

 

2 –     C R I S E S

 

  1. Política e Direito

Falando de forma singela a Política teria antecipado o surgimento do Direito. Comparando o ser humano e os animais gregários constatamos que não só o ser humano mas também os animais ou por behaviorismo advindo da sua própria genética, como as formigas, as abelhas e os cupins, possuem comportamentos para a busca do crescimento de suas colônias, o que seria análogo ao que o humano chama de felicidade, visando atingir o crescimento e o progresso da manutenção individual e coletiva da comunidade, com harmonia e saúde, da mesma forma alguns animais como lobos, cães, elefantes, golfinhos, na mesma  expressão, de forma similar ou análoga,  como os insetos, apresentam hierarquias de convivência e de lideranças nas alcateias, matilhas, manadas, famílias. O homo sapiens como ser reflexivo ultrapassa com sua razão e seu pensamento as feras, algumas sencientes como já surge e se expressa um novo direito dos animais a protegê-los. Mas foi o surgimento do Direito que passou a limitar o Poder, em princípio, ilimitado contido na Política que, por ter a textura análoga a água ou ao próprio ar cada vez quer ocupar mais e mais o espaço em sua ascendência sobre os indivíduos e as coletividades e o espaço que ocupam. O direito, conforme descreve o seu surgimento Fustel de Coulanges, na sua obra A Cidade Antiga, passou assim a limitar o exercício da política, tanto individualmente com relação às pessoas, mas também com relação ao seu exercício pelos órgãos de estado. Delineia-se no Direito e seu surgimento histórico uma divisão inicial e não é errado afirmar que “ao debruçar-se sobre o tema, Direito Público e Direito Privado, constata-se desde logo em toda a doutrina, ao longo do devir histórico, a polaridade do direito a oscilar entre a esfera privada e a pública. É o chamado “fluxo” e “refluxo” que media entre o coletivo e o singular[23] , entre a esfera da liberdade individual (do eu) e da limitação coletiva através da garantia de igualdade que assegura a convivência do “nós”. O “oikos” – elementos da vida doméstica – é o fundamento que dá vida e projeta no “héteron” (o outro)[24] ambos, verso e reverso da unívoca realidade humana. No universo antigo dos gregos, a dimensão pública surge como uma projeção do privado, sendo que este andava imbuído de uma dimensão religiosa que transborda, posteriormente, do ciclo dos clãs e das “gens” para a sociedade[25] A sociedade é, nessa época, pode-se dizer, orgânica, inexistindo uma dimensão de liberdade individual de conformidade com a concepção hodierna[26]. O todo é mais importante que as partes, pois o indivíduo e a família estão incorporados à “polis” ou a “civitas”[27]. O público radica sua origem no privado, ou melhor, ambos são verso e reverso da mesma medalha, a “gem” grega ou romana[28]. Sua gênese se estribou na organização gentílica dos tempos primitivos da tribo e da cidade, e na propriedade comum de todos os membros da gentilidade. Os caminhos, as praças, as muralhas e as demais coisas públicas (res publicae), assim como a terra pública (ager publicus), não pertenciam à pessoa jurídica ou moral do Estado, senão a todos os indivíduos, que tinham o direito de usá-los (usus publicus). Com relação à propriedade, ao menos dos bens imóveis, o Direito Público, no sentido de direito coletivo ou social, foi anterior, em Roma, como em todos os povos antigos, ao direito individual[29].O professor Borja, em seu trabalho Direito Público e Privado – Desenvolvimento Histórico da Distinção[30] registra que é na obra de Cícero é que se localiza o primeiro traço de uma oposição entre o “jus publicum et jus privatum”[31]. No entanto, o lugar inicial e honorável, graças ao que a distinção foi conhecida e aceita, se deve a Domicio Ulpiniano, cuja conservação se deve à recompilação de Justiniano através do Digesto e com a adição de uma palavra, a Instituta[32]. Extraindo do texto de Ulpiano as chamadas interpolações que se foram juntando ao mesmo através dos séculos ele seria reduzido a certeza de seu original e teríamos somente “publicum jus este quod as statum rei romanae spectat; privatum quod ad singulorum utilitatem” o que se traduz da seguinte forma: Direito público é o que respeita ao estado da coisa romana; privado, o que pertence a utilidade de cada qual[33]. Desta maneira temos que o Direito Constitucional que rege a Constituição é direito público e que as Constituições possuem partes que representam ou reproduzem tanto o Direito Público como o Direito Privado pois a Parte Orgânica das Constituições regendo o Estado no Tempo e no Espaço e com relação ao Poder, rege a parte Pública do Direito referente a forma de Governo, Forma de Estado e a Divisão das Funções legislativa, executiva e judicial do Poder sendo que a parte Dogmática da Constituição, que trata dos direitos e suas garantias desenha uma zona de franquias ou zona de exclusão delimitada por estes direitos que antecedem a criação do Estado e que por isto mesmo não foram concedidos ao Estado ou quem o “presenta” sendo assim, assinados a estes direitos, os remédios ou garantias constitucionais que delimitam a ação do público e do Estado perante a esfera privada da Sociedade Civil.  A evolução do direito incorporou através do Constitucionalismo, o Princípio Democrático a ele se somando  também o Princípio Republicano e todos eles preenchidos pelos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Assim é que a Política foi condicionada a obedecer estes parâmetros jurídicos na sua cinética e na sua funcionalidade, seja o seu exercício pessoal, é dizer individual, seja coletivo minoritários, seja ele exercido pelos órgãos que “presentam” a Pessoa Jurídica do Estado, através das suas três funções o Poder que teleologicamente visa fazer a Cidadania ou o Povo Soberano feliz através do Estado que é o órgão para a consecução ou que permita os melhores meios para que as pessoas, por si ou através da proteção de seus direitos individuais, coletivos, ambientais, tanto os de primeira como última geração, passando dos direitos formais ou negativos até os materiais ou positivos, tenham atendidas suas expectativas próprias de felicidade protegida pela Magna Carta e pelo validade das Normas Internacionais que se projetam, como norma geral de validade das normas nacionais, como queria Hans Kelsen, na sua Teoria Pura do Direito e também Canotilho quando fala do princípio da Parametricidade, que por osmose, como coloca o jurista Sérgio Borja se espraia em todas as nações civilizadas pela identidade de direitos individuais e coletivos contidos nas partes Dogmáticas de suas respectivas Constituições que reiteram num bloco mundial e tendente a ser universal os valores de civilização da Igualdade do Ser Humano e de sua inerente Liberdade![34]  Podemos estabelecer a diferença básica entre Direito e Política, no sentido de que o primeiro faz a contenção desta, como um aquário faz a contenção e a limitação da água sendo que a Ordem Jurídica e o Direito se expressam com modo funcional de expressão do Conceito Monolítico e Predominante de Procedimento de Conduta na obtenção da Felicidade Geral sendo a Política uma manifestação Pessoal ou Parcial no modo de obtenção da Felicidade, seja ela material ou espiritual, que não sejam de todo modo, obstados pelo Direito e a Ordem Jurídica que previamente selecionou as normas de conduta que trazem a felicidade através da harmonia entre os indivíduos e coletivamente. Assim é que o Princípio da Impessoalidade, vertente do Direito como norma de dever, nunca deve ser superado ou obliterado pela distorção e imperfeição da versão individual ou coletiva ainda parcial, permitindo que seu  interesse sempre parcial ou minoritário,  distorça a impessoalidade da Vontade Geral sufragada e defendida pela Lei que estabelece assim limites ao exercício da Política para que esta seja depurada de interesses espirituais individuais ou coletivos minoritários que distorçam a aplicação da Vontade Geral sufragada pela Lei. Assim é que a convergência concomitante dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, redimem e depuram a Política de seu defeito congênito que é o poder pessoal ou poder de um grupo minoritário que, com Justiça e dentro da lei,  se resgata e redime através da sua contenção na forma desta mesma Lei sendo por estes princípios republicanos e da maioria, que preserva a existência e a opinião da minoria com sua consequente fiscalização, a manifestação maior de civilização possibilitando assim a convivência dinâmica e cinética, concomitante de direito e política!!! A política como dinâmica através de suas razões e argumentos buscando o poder justifica o surgimento das novas adaptações do conceito de Felicidade ou o que seja conforme a evolução tecnológica, a inserção temporal, ambiental, ecológica, em consonância com a evolução espiritual, material e racional do ser humano inserido no meio ambiente do planeta e vai lutar, com sua força cinética, para que o direito evolua ou se modifique na conformidade com as mudanças de significâncias da língua que traduz a inteligência do que seja nossa felicidade fazendo com que o direito, de camisa de força que coarta o exercício completamente livre da política, permita que a política, por modificação do princípio majoritário dentro desta mesma sociedade, causado pela evolução da vida e todas as suas conotações, possa assim desvestir-se das velhas vestes do direito e buscar outras roupagens que lhe sejam mais conformes às novas acepções de vida no devir dos séculos e milênios como a história do ser humano nos atesta.

  1. A Linguagem como Expressão Jurídica

 

Não só o Princípio Democrático e sua expressão racional através da linguagem seja ela fonética ou simbólica da palavra escrita se subsume no mesmo paradoxo de expressão do cosmos onde vivemos mas também o Espaço/Tempo do que se convencionou chamar jurídico habita ou é projeção do brocardo latino e pluribus unum!  Esta expressão e atribuída ao poeta Virgílio que num de seus poemas, Moretum,  fala de um agricultor que prepara seu alimento com os produtos de sua horta e que mistura os ingredientes na forma de uma prato variegado de cores que se dissolvem numa só que está na significância da expressão, seja, muitos em um! Esta expressão é utilizada pelos americanos para expressar o seu federalismo ou modelo estatal como uma União com muitos estados e deriva da acepção semiótica constante da Bíblia onde Arcké  ou Ordem é reproduzida como aliança com Deus o Arco-Iris; Arca de Noé a acepção semiótica do surgimento da vida; e a Arca da Aliança ou da lei; pelo primeiro fenômeno físico do Arco-Irís se identifica a difração da luz branca sobre gotículas dágua e se dá a iridescência em infinitas tonalidades ou nuances e isto, na física moderna, explica as várias cores que representam o cumprimento de onda dos elementos que compõem a matéria inorgânica substrato do cosmos; num segundo momento, a teologia através da imagem semiótica da Arca de Noé, da mesma forma, significa a Vida e sua difração análoga a difração da matéria e temos em Bio ou no Zoom, Vida, do vírus com sua ambiguidade de matéria e vida, possuindo a qualidade de ambos, iniciar a borda do espetro até atravessar por tantas espécies animais até chegar a cúpula da complexidade que é o ser humano; assim se tínhamos um Arco Iris, significância semiótica e científica da Diversidade da Matéria Inorgânica e a este símbolo semiótico soma-se um mundo orgânico na forma de Vida que difraciona toda a Orgânica dos vegetais aos animais da face do planeta; já numa terceira acepção, aparece a Arca da Aliança, contendo Nomos onde na pedra se grafam os mandamentos ou ditames do velho fas religioso ou teosófico com que o filósofo positivista Auguste Comte classificou o evoluir do pensamento humano; o cérebro humano funciona com relação a razão, implicitamente finalista, analogamente a um cristal ou gotícula dágua e o cogitar, da mesma forma que a luz com relação a matéria bruta ou a vida no seu desabrochar das múltiplas espécies, também na sua iridescência diversifica-se em ismos que são as ideologias com suas ratios finalísticas na busca da felicidade humana, no campo do direito, ou pela porta da Liberdade ou pela porta da Igualdade ou da Fraternidade que é a mesotes entre ambas, na forma da afirmação de Norberto  Bobbio que em sua obra Igualdade e Liberdade expressa que a Liberdade indica um estado ou um estar do homem, do indivíduo enquanto Igualdade indica ou supõe uma relação[35]; assim temos o pensamento e a sua implícita razão finalista que através de Nomos ou a Lei seleciona, ao modo de Darwin na seleção animal, os procedimentos ou ações humanas que desde o primevo nas sociedades primitivas aglutinavam e harmonizavam a sociedade inicial, adentrando estes valores implícitos em normas religiosas, depois morais e, num escalonamento evolutivo, atingindo o que este mesmo filósofo, Auguste Comte cognominou de estado positivo ou científico pois através dos silogismos aristotélicos e da lógica formal, desenvolvida por Sto. Thomás de Aquino, e os que lhe foram sucedendo criaram a ciência e entre todas elas a pretendida ciência jurídica, que organiza e hierarquiza as regras de conduta e procedimentais alvitrados através de milênios e depuradas na reiteração histórica do começo da civilização até nossos dias. Assim é que E PLURIBUS UNUM foi transferido com compasso e esquadro na visão da Via Láctea, com seus trilhões de estrelas e galáxias, sob o embate do arco do horizonte, representado nas abóbodas geométricas das construções, no arco das armas que lançam flexas, significância esta que perpassa para a linguagem na forma de ordem da harmonia das esferas que representam o Universo que paradoxalmente é Um e Muitos sendo daí extraído o princípio Federativo mas também representando a dificuldade ou multiplicidade linguística que, na fase teosófica ou bíblica é representada no livro sacro como a Torre de Babel cujos efeitos criaram a consequência da Babel de línguas e dificuldades na própria linguagem para dar ao direito a precisão da matemática. Sim, pelo motivo que o Direito tem a pretensão de ser exato e imitar a matemática, no entanto, paradoxalmente utiliza-se da linguagem dos muitos homens (muitos em um – homens que formam o Povo soberano) não possuindo os mesmos a identidade matemática de conceitos mutuamente inteirados que lhes dê uma convicção total sobre a significância das palavras, da própria linguagem e suas expressões para traduzir o que idealiza ou tem por verdade e sua acepção estrita. Sim a palavra não tem a denotação da matemática onde a significância da unidade, da dezena, centena, milhares, e suas frações assim por diante, são sempre denotativas tendo sempre identidade de conteúdo e nenhuma variabilidade. Já a linguagem usada no sentido de imitar a matemática em sua precisão, pela ambiguidade, vaguidade, conotação conceitual e acepção das palavras ou vocábulos, gera o problema da interpretação e da hermenêutica sendo que os juízes ou tribunais especializados no discurso jurídico são designados para exercerem a função de Jurisdição ou Juris + dicere ou dizerem o direito nos casos concretos que lhes são questionados. Assim é que se estabelece a competência que é a medida da jurisdição e neste item temos também a Jurisdição Constitucional que é aquela que refere assuntos referentes ao Poder e suas três funções; as ações e omissões do estado para consecução dos fins do Estado; os direitos e garantias individuais, sociais, ambientais e toda a gama de direitos e garantias sejam elas individuais ou coletivas.  Assim é que como a matéria se reflete numa difração de nuances e tonalidades na Diversidade que representa e é transferido para o mundo Jurídico como Princípio Democrático pois representa a difração do pensamento prescrutando pela razão seus fins que redundam num certo tipo ou nuance ou tonalidade de Felicidade, da mesma forma a linguagem expressa esta difração, que dificulta o entendimento ao mesmo tempo que cria alternativas filosóficas de felicidade no âmago das regras procedimentais de harmonia das relações ou pendendo mais para a Liberdade, o egoísmo ou o individualismo, ou pendendo mais para o Coletivo e a Fraternidade através do Altruismo! Estas, não escolhidas e sufragadas uma ou outra ou a mistura ou síntese de ambas, a Fraternidade, como vontade geral do Soberano em regras constitucionais, da lei maior que hierarquicamente orienta de cima para baixo, em patamares ou degraus, como queria Kelsen, decidem, na visão de Carl Schmitt, por um decisionismo constitucional qual o vetor predominante constitucional, se o da Liberdade ou o da Igualdade ou se ambos equalizados e já isonômicos em forma fraterna reeditam não só na tríade semiótica francesa Liberté, Egalité, Fraternité, mas já factíveis, como nas constituições da União Europeia, o regime do Constitucionalismo Social criado anteriormente em 1917 pela constituição mexicana e posteriormente em 1918 pela constituição Weimariana. Jurgüem Habermas, em sua obra que analisa a evolução da área pública e privada diz que as constituições sociais, criticando-as, vivem como uma nave que aderna de uma lado para outro no mar bravio e em que sua carga, sem estar em conteiners, faz a nave se inclinar de uma lado para outro constantemente. Assim é no Brasil com o problema do seu Bloco Constitucional Social iniciado em 1930 e por qual perpassam e o reiteram todas as constituições de 1934, 1946, 1967, 1969 e a Constituição Cidadã de 1988 que inclusive, em seu frontispício constitucional utiliza-se de uma CONSTITUIÇÃO PRINCIPIOLÓGICA DIRETIVA que obrigaria os legisladores constituídos a obedecerem o legislador constituinte pois ali estabeleceu os Princípios Fundamentais a que o legislador secundário e derivado, o Poder Constituído, a se submeter principalmente, com relação a manutenção do equilíbrio entre Liberdade e Igualdade a equipolência que deflui da inteligência do seu inciso IV que são os valores do trabalho e da livre iniciativa. Como Jürguem Habermas fala o constitucionalismo pátrio oscila num sistema hediondo de gangorra entre Liberalismo e Socialismo opções minoritárias que não foram o alvitre originário do legislador constituinte que equalizou, para harmonia da esfera pública a relação equilibrada entre Liberdade e Igualdade e suas isonomias equipolentes colocando o Estado como fiador de balança desta isonomia o que, com as modificações e o balanço externo das afetações internacionais, como moeda, comércio externo, desestabilizando-se a infra-estrutura econômica desestabiliza-se na mesma proporção e relação direta a super-estrutura jurídica que, através de inúmeras emendas constitucionais a transformam num remendo teratológico e um resquício infame da pretensão inicial do legislador constituinte. O problema de adulteração política sobre o jurídico já vem ab initio quando a Constituinte que deveria ser exclusiva foi uma Constituinte Congressual onde os velhos e decrépitos partidos arbitraram coonestar e desfigurar a acepção estrita do Conceito de Poder Constituinte, suprimindo o Povo Soberano de sua manifestação. O jusfilósofo Leônidas Xauxa denunciou o déficit de representação constitucional e majoritária populacional que deve estear o conceito de democracia. No artigo Constituinte e representação política publicado em ZH e depois compilado na edição da UFRGS que, em síntese, na análise da representação dos estados urdidas através do art.45 da Constituição que cria uma proporcionalidade esperta e caça virtualmente representantes, diz Xauza: “ A agregação dos dados conduz ao absurdo o sistema quando consideramos que cerca de 33 milhões de habitantes somados do Rio Grande do Sul e São Paulo elegerão 98 constituintes sendo que os mesmos 33 milhões de habitantes distribuídos por 14 outros estados – compreendendo todo o Norte, todo o Centro-Oeste sem Goiás e todo o nordeste sem a Bahia – elegerão 217 constituintes!!![36] No mesmo sentido a análise do Ex-Presidente da OAB, secção do Rio Grande do Sul e ex-Presidente do Superior Tribunal Eleitoral Luiz Carlos Lopes Madeira que sob o sugestivo título de Por Muito Menos o Rio Grande foi a Guerra publicou artigo no mesmo ano de Xauza, 1985, dissecando o problema do déficit de representação constituinte pois o art. 5 da Constituição e as demais Constituições nacionais todas possuíam o mesmo dispositivo, reza que todos os cidadão são iguais e da se infere que também iguais no voto mas, com relação, ao que se depreende do art. 45, que revoga o art. 5 e art. 14 que diz que o voto será igual para todos!!!! Assim é de concluir que de uma SUBSTANCIAL INCONSTITUCIONALIDADE no corpo da Constituição se deduz equivocadamente a proporcionalidade teratológica do art. 45 da mesma!!!! Não bastasse esta ocorrência vem o ex-deputado; ex-senador e ex-Presidente do Supremo Tribunal Federal e confessa com todo o estertor perante o public out cry que teria “contrabandeado” para a constituição, como constituinte que era, artigos não votados em nenhuma comissão da mesma, adulterando assim o texto da mesma!!! (Affair publico com Nelson Jobim que confessa publicamente atos prescritos); mesmo que se suprima as inconsistências históricas, doutrinárias, com relação a aquilatar a Vontade do Soberano, constatamos que a constituição de 1988 é irmã xifópaga da constituição de 1946 pois ambas são egressas de regime de força. Assim é que a Constituição de 1988 banindo a criação de crises gestadas pelas alternativas adotadas com relação a constituição de 46, para o bem da estabilidade e também de que o Congresso ou Legislativo deveria se prevenir de ataques de Executivo, implantou no novo modelo constitucional o chamado voto de ballottage ou duplo turno francês que visava estabilizar o governo das maiorias pois no regime de 1946 a maioria presidencial poderia se eleger com 30% e vencer as demais chapas e assim, paradoxalmente, uma minoria de 30% iria governar uma maioria de 70%. A fim de que a eleição presidencial contivesse realmente um número majoritário foi implantado o voto de ballotage e a adoção de um segundo turno caso no primeiro não houvesse um ganho de maioria absoluta. Ao mesmo tempo que se institucionalizou constitucionalmente esta alternativa a legislação eleitoral permitiu as coligações partidárias o que ocasionou o derretimento dos fins partidários, isto é dizer de seus ideários programáticos, pois os partidos, fisiologicamente, pela luta na obtenção do poder fechavam contratos que uniam em casamento o Canhoto e Deus pouco importando a diferença entre o Bem e o Mal como já escrevera o filósofo Sartre em sua peça teatral o Diabo e o Bom Deus! Desta forma é que se enceta no cenário constitucional a construção da parlamentarização do sistema presidencial ou ainda o cognominado majoritariamente como Presidencialismo de Coalizão. O Presidente da Republica passou a ser um refém do Congresso pois não tendo uma maioria parlamentar na Câmara e Senado passaria a atuar como um títere perante uma bancada amplamente majoritária embasada ficticiamente numa representação que possui o mesmo defeito congênito da Constituinte sendo que, da mesma forma, repetindo o déficit de representação da Constituinte, o Poder Constituído erige uma maioria interna que, em alguns períodos, é como se fosse o que a Declaração de Direitos Americana ou o próprio Federalista, que rezam que uma maioria, sem limites, é, da mesma forma tão tirânica ou ditatorial como um órgão monocrático. Ao analisar-se a esteira de inúmeras Emendas Constitucionais maculando a obra do Poder Constituinte Originário depreende-se da análise a voo de pássaro perfunctoriamente um processo de centralização ou adulteração do federalismo para um centralismo exacerbado depositando mais e mais, concentrando mais e mais, na União, no Congresso e no Poder Judiciário, espelho daquele pelas indicações dos Juízes das Cortes Superioras, se agrava com a emenda da reeleição, que quebrando um bloco constitucional republicano de mais de 100 anos, nem os governos militares não se reelegiam, adultera o Soberano dando ao Presidente, Governadores e Prefeitos, a capacidade de reeleição, que assim alastrada na federação foi a moeda de coonestação a prática de uma Substancial Inconstitucionalidade no regime em que o Poder Constituído, secundário e derivado, cresce sobre o Poder Constituinte Originário fazendo da Constituição uma Metáfora Ambulante ou um Rebotalho Ficcional.( Emenda 16 de 1997). Esta emenda é assinada por Michel Temer, Presidente da Câmara, que no mesmo ano escreve artigo emblemático na Folha de São Paulo confessando ipsis litteris o crime de esbulho do Poder Constituinte Originário pelo Poder Constituído. Temer escreve na Folha de São Paulo e é dele o texto de 2.11.1997 que confessa: “Caso não se dê aos projetos que tramitam pelo Congresso Nacional essa roupagem  -exclusivamente política, não jurídica – possivelmente o Supremo Tribunal Federal , como guardião da Constituição, poderá declarar a sua inconstitucionalidade. Confessava mais afirmando: “Se as forças políticas majoritárias do país, com o apoio popular expresso em plebiscito, resolverem alterar a Constituição, contra seus próprios dizeres, que o façam por instrumento que se legitime por si mesmo. Independentemente de autorização constitucional”.[37] Assim a Emenda nº 3 que no bojo da criação da CPMF cria a Ação Declaratória de Constitucionalidade ainda a Arguição de Descumprimento de Preceito Constitucional coartando Executivos; com os efeitos vinculantes extinguindo previamente a opção aberta do princípio federativo esteada e retratada no sistema Difuso de Controle da Constitucionalidade calando assim, por antecipação e por redução, a possibilidade de manifestação do Povo Soberano através de qualquer juiz; outro dado teratológico no ordenamento constitucional é a Emenda nº 45 de 8 de Dezembro de 2004 onde o Poder Constituído erigido, pode-se dizer em Poder Constituinte Continuado, sem limitação do Poder Constituinte Originário criou órgãos dentro do Judiciário e do Ministério Público que não haviam sido contemplados retirando ipso fato, pela atribuição de novos poderes aos membros destes órgãos indicados por Tribunais Superiores também indicados e órgãos da OAB e Ministério Público, também indicados e originários dos quintos constitucionais, na fórmula de seu artigo 103 B, que nos incisos I a XIII indica os indicados e no seu § 4º a discriminação de sua função como Espada de Dámocles  suspensa sobre a magistratura tanto de primeiro como segundo grau de quadro de juízes concursados e não indicados pelo sistema do “quem indica” alvitrado pelo Constituinte Congressual; atribuindo poderes que por sua atribuição sonega ou relativiza os poderes dos órgãos da Magistratura e do Ministério Público, colocando-lhes uma legítima Espada de Dámocles sobre suas cabeças, relativizando ao máximo suas garantias constitucionais em vista de que institui; da mesma forma através do art. 103 desta emenda criam-se as Súmulas com seu poder vinculante o que somado ao processo de relativização do Controle Difuso da Constitucionalidade feito por juízes togados de carreira e concursados desviando, no que interessa aos queixosos políticos, uma concentração ou enxugamento do sistema FEDERATIVO transformando-o num sistema unitário concentrado em que o Poder Político do quem indica e da maioria partidária urdida sob o voto de ballottage, com a desproporção do art 45 da Constituição e com a falta de democracia interna dos partidos que possuem caciques, caudilhos e chefes que indicam os candidatos, fazendo com que o Estado Democrático de Direito seja uma mera aparência em cuja cortina tecida pelo conjunto de Emendas Constitucionais fortificam mais e mais o domínio do cerne partidário majoritário pois que, embora o sistema partidário formal seja considerado multipartidário na realidade é que permitindo-se as coligações ou associações interpartidárias o sistema na realidade ou de fato sofre uma transformação podendo ser identificado como Bipartidário de fato onde existe um núcleo duro que apoia o Presidente ou o têm como mero títere pois se o Executivo, pela constituição de 1988, não detiver apoiamento partidário ele poderá sofrer impeachment e todos os impedimentos possíveis como a obstrução de seu governo através do truncamento do processo legislativo tanto de iniciativa do Presidente, que fica estacionado no Congresso por falta de impulso ou, se for o caso de leis de iniciativa do Congresso, seja Câmara ou Senado, o veto presidencial poderá ser derrubado.

 

  1. O Espaço como manifestação Linguística e Juridica

 

Ora, se como vimos antes analogamente ao inorgânico e ao orgânico, respectivamente mundo físico e mundo biológico, há uma diversidade ou multiplicidade de tons e nuances caracterizadas ou através do cumprimento de onda da matéria, no primeiro caso, ou da variedade incrível de seres vivos tanto vegetais como animais, na terceira camada ou Noosfera como pensa o grande filósofo Teilhard du Chardin onde surge o pensamento e a expressão do mesmo como linguagem falada, escrita ou hodiernamente computadorizada em bits, megabites, giga e therabites, aí também onde René Descartes expressou o brocardo “cogito ergo sum”, sendo que Friedrich Nietzsche vislumbrou no seu poema o Super Homem, nos primeiros versos, quando Zaratustra com seu cajado contempla o nascimento do Sol e exclama: “ Que seria de ti ó Sol se não tivésseis a mim que vos contemplo?!!” Defluindo desta expressão a diferença reflexiva do ser pensante frente ao Astro Rei que brilha esplendorosamente mas não tem as qualidades da ratio .Sim a linguagem é tão importante que as palavras ou vocábulos, por não terem as características matemáticas dos números que são denotativos, possuem as palavras, ao contrario uma conotatividade e um conteúdo conceitual que depende das acepções individuais, das cosmovisões que são contempladas pelo princípio federativo que se espraia no tempo/espaço federativo da União, estados e municípios cada um com suas crenças, dialetos, gírias próprias, que se expressão e se exteriorizam em costumes e formas coletivas de pensar que integram e marcam e separam regiões inteiras através da diferença de suas expressões de sentir e pensar o seu viver. Esta temática é vital e antecede inclusive o Direito e o Controle da Constitucionalidade tanto é que foi escrita uma obra, por Marcos César Botelho, cujo título é A legitimidade da jurisdição constitucional[38] no pensamento de Jürguem Habermas. Não só Habermas mas antecedendo este o filósofo Wittgenstein e também Hans – Georg Gadamer que em sua obra Verdade e Método fala:  É claro que este não é o saber da ciência. Nesse sentido a delimitação operada por Aristóteles entre saber ético da phoronesis e saber teórico da episteme é muito simples, sobretudo se levarmos em conta que, para os gregos, a ciência representada pelo paradigma da matemática, é um saber inalterável, que repousa sobre a demonstração e que, por conseguinte, qualquer um pode aprender. É certo que uma hermenêutica das ciências do espírito não poderia extrair nenhum ensinamento dessa delimitação entre o saber ético e o saber nos moldes da matemática. Ao contrário, em oposição a essa ciência “teórica”, as ciências do espírito fazem parte, estritamente, do saber ético. São ciências “morais”. Seu objeto é o homem e o que este sabe de si mesmo. Este, porém, se sabe a si mesmo como ser que atua , e o saber que assim possui de si mesmo não pretende comprovar o que é. Antes, aquele que atua está as voltas com coisas que nem sempre são como são, pois podem também ser diferentes.”[39]  Um dos problemas maiores da linguagem, além de sua conotatividade é saber se na comunicação há ou ocorre identidade total interativa entre a mente do que comunica e do que recebe a comunicação e assim por diante até que ponto a significância partilhada numa comunidade é homogênea e idêntica como partilha de todos em razão da língua não ser e não ter um uso individual, privado, mas ser coletiva pois visa a comunicação e a integração de uma comunidade. Gadamer torna dramática a significância dos conceitos e da linguagem quando expressa que: “Enquanto a vida da linguagem conviver com conceitos, o esclarecimento histórico-conceitual é significativo – mas isso também significa que o ideal de uma saber consciente total (Bewusstheif) é absurdo.”[40]  Marcos Botelho analisando a retórica de Habermas afirma que “a introdução de “U” (Universalidade) por Habermas teve o desiderato de considerada como regra de argumentação , possibilitar o acordo em discursos práticos sempre que as questões envolvidas digam respeito a todos os concernidos, entendendo o mestre alemão que o princípio “U”, atuando como ponte, nos possibilita dar uma passo em direção a ética do discurso. A validade da norma é obtida somente quando ela for expressão de uma vontade universal. Isto significa que a norma pode merecer o reconhecimento de todos os implicados e não apenas de alguns, razão pela qual o objetivo do discurso prático é o acordo ou o consenso racionalmente motivado mediante uma práxis argumentativa. A consequência disso é que a validade fática das normas não será mais condição suficiente para sua aceitação, já que o processo fundamentado pelo entendimento intersubjetivo exige que a validade seja resultado de uma práxis argumentativa inclusiva, capaz de abarcar todos os concernidos.”[41] Assim é que se a filosofia prescruta a problemática da linguagem e o direito a neutralidade dos órgãos para a consecução do Controle da Constitucionalidade das Normas e também da realização isenta dos direitos humanos com dificuldades que a grande massa crítica do pensamento ainda não solucionou imagine o leitor quando foram criados os diversos sistemas alternativos de controle nos séculos passados, o tipo difuso que promana da Constituição Americana de 1787, que através do arresto proferido pelo chief of justice Marshal através de uma dilema estabelece a hierarquia e durabilidade das normas constitucionais fundantes outorgando aos juízes, em forma difusa, o controle da constitucionalidade das normas.

 

3 –        P E R S P E C T I V A S

 

A implantação de um Código de Processo Constitucional do ponto de vista abstrato e que não se atenha a implantação prática em algum estado é um imperativo de ordem racional e ética que representa, na suposição de uma perfeição de funcionamento de um legítimo regime de Estado de Direito Democrático o perfectibiliza no mais alto grau. No entanto é notório que supondo o suporte real do Estado Democrático de Direito que funciona no Brasil e seus andrajos tristes e anêmicos cotejados frente a um real Estado Democrático de Direito, e, nesta comparação não deveríamos aspirar a utopia ou o ideal inexistente e próprio ao mundo dos sonhos, mas comparado com modelos reais e factíveis em plena vigência nos países mais avançados como os escandinavos, veríamos, que depurado o sistema político de seu clientelismo e profissionalismo, simplificado e depurado de sua condição teratológica atual vigente no Brasil, teríamos sim a convicção e a consciência plena de sua factibilidade e pronta implantação para o melhor aperfeiçoamento da Democracia, do regime da Constituição, da real efetivação dos Direitos Inalienáveis tanto de primeira geração como os supervenientes no evoluir do direito. Resta, na negativa destas existências ideais, a esperança que uma ampla Constituinte com profundas reformas políticas, partidárias e eleitorais, abreviem os mandatos tornando-os verdadeiramente republicanos e extinguindo esta casta de políticos de sangre nobre que se reelegem indefinidamente pois a representação muito mais do que profissão é um mandato temporário, um múnus público cuja deturpação atual faz com que a Política, como manifestou Kelsen em seus temores no debate perante uma assembleia de notáveis, como já foi citado, temia sempre a contaminação do jurídico pelo político e a adulteração do princípio majoritário, sem controle, loteando, pelas suas indicações clientelistas, funções e órgãos do estado, inclusive a cúpula do judiciário, que por sua longa permanência fazem com que o sistema hoje estertore sob as escaras denunciadas e abertas como demonstra este trabalho.

PROFESSOR SÉRGIO AUGUSTO PEREIRA DE BORJA   22.06.2022

22:22  HS

[1] – Locke – John  – Segundo Tratado sobre o Governo – Coleção os Pensadores – Editora Nova Cultural – São Paulo – ano 1991 – fls. 268/269;

[2] –  Bobbio – Norberto – Igualdade e Liberdade – Ediouro – Rio de Janeiro – 1995 – fls 7;

[3] – Ayn Rand – A Virtude do Egoísno – A Verdadeira Ética do Homem: O Egoismo Racional – Ortiz – Porto Alegre –  fls 75.

[4] – Sérgio Borja – O Projeto Democrático – Democracia Social e Maniqueismo –Ricardo Lenz Editor – Porto Alegre – 2001  fls 22 usque 31.

[5] – PINTO – Ferreira – Princípios de Direito Constitucional Moderno – Saraiva – 1983 – São Paulo – fls 90 usque 94;

[6] – Siéyés – Emmanuel Joseph – Quest ce que le Tiers État? Editora Lumem Juris – 1997 – Rio de Janeiro – fls. 94.jm

[7] – Kelsen – Hans – Teoria Pura do Direito – Editora Martins Fontes -1997 – São Paulo – fls. 217;

[8] Silva, José Afonso da . “Da Jurisdição Constitucional do Brasil e na América Latina”, separata da Revista da Procuradoria Geral do Estado; nº13/15, Imprensa Oficial do Estado, São Paulo, 1980, pag. 106/107.

[9] – Rosah – Russomano – Controle da Constitucionalidade das Leis – Curso de Direito Constitucional – Editora Freitas Bastos – ano – 1997 – fls.41 usque 47.

[10] Rosah Russomano – opus citae – fls. 42.

[11] – Giorgio Lombardi – Carl Schmitt y Hans Kelsen – A Polémica Schimitt/Kelsen – Editora Clássicos do Pensamento – Editorial Technos – Madri – 2009 – fls. XXXIII usque XXXV.

[12] – Giorgio – Lombardi – opus citae – fls.34 usque 35 – Estudo Preliminar – A Polemica Kelsen/Schmitt

[13] – Hans Kelsen – Jurisdição Constitucional – Martins Fontes – 2003 – São Paulo – fls 181.

[14] – Hans Kelsen – Opus Citae – fls. 182

[15] |Hans Kelsen – opus citae – fls. 183.

[16] – Hans Kelsen – Jurisdição Constitucional – Martins Fontes – 2003 – São Paulo – fl. 192/193.

[17] – Édouard Lambert – Le Gouvernement des juges et la lutte contre la législation sociale aux États-Unis – Dalloz –ano 2005 –  fls. 224/225 .

[18] – Rosah Russomano – Curso de Direito Constitucional – Freitas Bastos – 1997 – Rio de Janeiro – fls. 42 usque 47 –

[19] Cezar – Saldanha Souza Júnior – O Tribunal Cpnstitucional como Poder, Uma nova teoria da Divisão dos Poderes – Memória Jurídica Editora – 2002 – São Paulo – fls. 138 usque 140.

[20] – Giusti Tavares – Sistemas Eleitorais nas Democracias Contemporâneas – Editora Relume Dumará – Rio de Janeiro – 1994 – fls. 274 – 275 –

[21] – Jurguen Habermas – Direito e Democracia – Biblioteca Tempo Universitário – Rio de Janeiro – 2011 –

[22] – Jurguem Habermas – Direito e Democracia – Tempo Universitário – 2011 – Rio de Janeiro – fls. 187.

[23] – Natalino Irti – Prospective Sul Dirito Privato – Revista di Diritto Civili – fls. 01 a 04

[24] Alexandre Pasqualini – Reflexões para uma Tese sobre o Público e o Privado – Coleção Ajuris – fls 47.

[25] – Fustel de Coulanges – A Cidade Antiga – fls 33, 80, 152 e 153, Mme. J. Romilly – Archives de Philosophie du Droit – pág 6 a 11.

[26] – Fustel de Coulanges – opus citae – fls. 182.

[27] – Teodore Mommsen – Direito Público Romano – fls. 14 e 14.

[28] – Lewis H Morgan – A Sociedade Primitiva – Editorial Presença e Livraria Martins Fontes – Vol II – fls 7 usque 86.

[29] – C.O Bunge – O Direito – fls. 409 – Lewis H. Morgan – A Sociedade Antiga – opus citae – fls. 277.

[30] Sérgio Borja – Direito Público e Direito Privado– Estudos Jurídicos – Unisinos -– fls 7 usque 8.

[31] – G. Chevrier  Archives de Philosophie du Droit – 1952 – fls. 12.

[32] – Gustavo Velasco – Sobre la Division del Derecho em Público y Privado – Rivista trimestrale di diritto público – fls 858;

[33] – Garcia del Corral “apud” Gustavo Velasco, opus citae – fls. 858.

[34] Borja – Sérgio Augusto Pereira de –   Parametricidade e Direitos Humanos – Teoria Geral dos Tratados – Editor Ricardo Lenz – Porto Alegre – ano 2001 – fls 209 usque 239;

[35] – Norberto Bobbio – Igualdade e Liberdade – Editora |Phoenix – Ediouro Publicações – Rio de Janeiro 1995 – fls. 7.

[36] – Leonidas Xauza – Compilação de ensaios publicados pela Editora da UFRGS sob a coordenação de Élgio Trindade e Osvaldo Leite – Editora Ufrgs – ano 2004 – fls. 112/113;

[37] – Sérgio Borja – Revisão Constitucional ou Golpe Congressual ?  O Projeto Democrático – Editora Lenz – ano 2001 – fls. 233/234;

[38] – Marcos – César Botelho – A legitimidade da jurisdição constitucional no pensamento de Jurguem Habermas – Editora Saraiva – ano 2010 – São Paulo

[39] – Hans – Georg Gadamer – Verdade e Método – traços de uma hermenêutica filosófica – Editora Vozes – ano – Petrópolis – Rio de Janeiro –  Vol. I – fls. 320

[40] – Hans Gadamer – opus citae – vol. II – fls. 104.

[41] MARCOS – Cesar Botelho – A legitimidade da Jurisdição Constitucional no pensamento de Jurgen Habermas – Saraiva Editora – ano 2010 – São Paulo – fls. 119.

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