O SUPREMO E CUNHA OU QUEM CONTROLA OS CONTROLADORES? (frase de autoria de Norberto Bobbio)
A patuléia e a claque ditas politizadas clamam pelos espaços públicos em prol da democracia e do sistema ungido pelas urnas mas, no entanto, irônica e paradoxalmente quem domina hoje o cenário político institucional da nação não é nem uma das funções eleitas. O atual órgão do Executivo está relativizado pois sofre um processo de impeachment e, pelo cenário, tem uma validade definida até metade do mês de maio do corrente, quando será definido o licenciamento e suspensão da Presidente. O Legislativo, representado pela Câmara dos Deputados que é a representação do Povo Soberano, sofreu uma intervenção do Supremo, que suspendendo seu órgão Presidente, tornou o poder praticamente acéfalo. Assim é que quem domina o cenário é o terceiro poder o Judiciário. Poder não eleito e indicado pelos eleitos. Esta é a petição de princípio da democracia brasileira pois os eleitos são todos corruptos ou sobre eles paira uma espada de Dâmocles, acusações, embora a Constituição reze que ninguém será considerado culpado até transito em julgado de decisão! Maurice Hauriou e grande parte da doutrina francesa sempre ironizaram o sistema americano de tripartição do poder cognominando o mesmo de ditadura de juízes. Donald Trump, candidato nada palatável aos “politicamente corretos” em manchete garrafal de hoje, 06.05.2016 adverte sobre o preenchimento das vagas da Corte Americana, para que ela não seja “argentinizada”! O monstro criado pela Constituição de 1787 americana que serviu de modelo para todo o constitucionalismo hoje, mais do que nunca, está em cheque. No Brasil, ontem, chegamos ao ponto do Supremo Tribunal Federal verdadeiramente cassar o órgão que presenta a Câmara dos Deputados através de liminar retida desde dezembro e que, confessadamente, ameaçada por outro tipo de concessão e distribuição feita a outro ministro, desconhecendo a regra de prevenção, desencadeou julgamento teratológico, não contra a pessoa física do ocupante, mas contra o órgão que presenta aquela Assembleia do Povo Soberano. Os jornais de hoje, em manchetes garrafais, publicam de forma sistemática os argumentos alinhavados pelo Sr. Procurador Geral da República em denúncia feita em dezembro. No entanto o amplo contraditório e a ampla defesa do acusado foram inviabilizadas pelo rapidez em que uma liminar é deferida pela manhã, por juízo singular e homologada pela tarde pelo plenário do Supremo!! As democracias e o estado democrático de direito não nasceram pelo parto dos tribunais e pelos órgãos monocráticos executivos. Os regimes absolutistas e ditatoriais já tinham seus tribunais nomeados e não eleitos sendo que a democracia e a liberdade consolidadas no constitucionalismo nasceram através da voz dos parlamentos que contrariaram as tiranias monocráticas e os órgãos indicados por aqueles regimes absolutistas. Hoje, paradoxalmente, após o julgamento fatídico, uma claque rude e também paradoxal, mais paradoxal que o tribunal, apelando para razões e premissas democráticas saúda tal julgamento como salvador da democracia sem perceber que ironicamente hoje, quem impera no cenário da nação é um órgão cuja composição não é eleita e não passou pelo crivo da vontade popular. Um órgão ancião tão antigo como a mais antiga das constituições das Américas, a americana, tão antigo como a constituição de 1824 e a de 1891 e todo o bloco de constitucionalidade brasileiro em que o Executivo indica e nomeia os juízes para aquela corte. Este é o estado da democracia brasileira. O ministro Gilmar Mendes, em razões históricas, fundamentando seu voto de apoio ao relator, ministro Teori Zavaski, trouxe a colação exemplos das Assembléias Legislativas de Roraima e do Distrito Federal, que permitiam, pelos precedentes, em razão da disseminação da pecha de corrupção sistêmica e coletiva, à relativização da representação do povo como a do caso em julgamento, o de Cunha! Uma questão que se coloca com relação ao Supremo Tribunal Federal e sua força atual é a pergunta que não cala: Quem fecha a tranca da porta de trás do Supremo dando tanta independência e segurança aos ministros indicados e escolhidos?! Na leitura da constituição de 1988 reforçada pela lei 1079/1950 vamos ver que, respectivamente, a constituição determina que conforme o art. 52, inciso II, o Senado Federal tem a competência privativa de julgar os Ministros do Supremo e também o Procurador Geral da República. Conforme art. 41 da Lei 1079\1950, qualquer um do povo, não sendo necessário jus postulandi (ser advogado) poderá apresentar denúncia contra estes senhores perante o Senado. Atualmente quem ocupa o cargo de presidente do Senado é Renan Calheiros. Este é a chave que mantém a segurança das posições dos Ministros do Supremo e inclusive do Procurador Geral da República pois pode arquivar os processos de impeachment dirigidos contra estas autoridades como já fez com dezenas de petições dirigidas contra vários destes juízes, não me constando ainda, pela memória, alguma dirigida contra o Procurador Geral da República, como poderia haver. Renan Calheiros não é Cunha mas se assemelha ao mesmo pelo teor das acusações que lhe são assacadas publicamente e no entanto continua impávido e sadio. Eis ao ponto que chegamos neste regime antiquado do “quem indica” e do “compadrio” onde o estado é loteado como eternas capitanias hereditárias por políticos que fazem da reeleição sua profissão adonando-se do estado e loteando-o com o preenchimento de cargos em comissão, de ministérios, de inúmeras autarquias, empresas públicas e privadas da administração indireta formando um séquito e uma corte monárquica que torna a república um rebotalho risível que afunda a olhos vistos frente aos déficits públicos causados pela incompetência administrativa das indicações políticas e de um séquito enorme de nababos do estado donos de sinecuras e prebendas num largo nepotismo jamais visto. Esta é a nação que proclamou o regime republicano em 15 de novembro de 1889 mas que até hoje não viu a factibilização desta verdadeira utopia desprezada pelos mais utópicos visionários do além horizontes com suas pretensões de utopias ainda mais imaginárias e inexequíveis!!! Assim, ironicamente, hoje, no Brasil, não é mais a CASA DO POVO e muito menos O POVO SOBERANO que sai as ruas comportadamente e, por esta atitude de limitação na ordem, é visceralmente desprezado e sua voz vilipendiada por eco surdo e sem audição daqueles que preferem o conchavo e as sessões feitas de forma fechadas e longe das praças públicas. Ironicamente hoje, os órgãos eletivos são colocados todos sem exceção em julgamento e possuem data de validade vencida sendo que o órgão indicado reiteradamente através de um assalto ao PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO, em 1997, que implantou o terror da reeleição que nunca houvera no Brasil, sendo que nem mesmo os generais da ditadura jamais cometeram este delito, pois ironicamente, este regime que se diz democrático se reelege e reiteradamente indica os membros do Tribunal que ontem, através de medida liminar concedida pela manhã e homologada pela tarde, são os que colocam a DEMOCRACIA BRASILEIRA E SEUS ÓRGÃOS ELEITOS todos, Executivo e Legislativo, sob sua espada de Dâmocles, relativizando o fundamento da democracia, seja o voto do Povo Soberano!!! Sim, quem traçou o procedimento para o processo do Presidente foi o Supremo que o homologou e será o Presidente do Supremo, terceiro na lista de substitutos temporários do Presidente, de forma constitucional, que presidirá o julgamento contra este. Sim, da mesma forma, foi o Supremo Tribunal Federal, que presidido por seu Presidente, terceiro pretendente à presidência da nação na ordem constitucional, que julgou e licenciou o Presidente da Câmara!! Temos assim que um órgão não eleito e indicado tem mais honra e aparência do que os eleitos sobre os quais pairam acusações, ambas ainda não sujeitas ao amplo contraditório!!! Vejo que a imprensa já coloca dúvida sobre os atos feitos por Cunha quando presidindo a Câmara patrocinou por ampla maioria a indicação de impeachment da presidenta. Oportunamente consideram este argumento embora não considerem ou não consideraram que quando houveram as condenações referentes ao mensalão e ao propinoducto, foram condenados os deputados mas as leis de reforma e perda de direitos dos aposentados e demais leis votadas, estas não foram anuladas, como também não se colocará em dúvida a indicação dos magistrados para as cortes superioras feitas através de ambos os órgãos de representação popular, o Executivo e o Legislativo, hoje ambos apeados do poder por juízes indicados por ambos em cima de acusações que invalidavam e invalidam, através de seus julgamentos, seus mandatos!!! A ironia da realidade é tão grande que me lembra uma passagem da história francesa em 1795, quando do estabelecimento do regime Diretorial na França em que um sábio alfinetando a revolução ironizou com um xiste que dizia: “A revolução francesa é como o Deus mítico Cronos (o tempo) grego, que comeu todos seus filhos”. Aqui no Brasil, como Danton, Robespierre e outros, todos guilhotinados, o nosso Diretório, o Supremo, órgão indicado e não eleito, traga e tragará todos os filhos ungidos pelas urnas e pela democracia que estão no Executivo e Legislativo. Imagine o leitor “ad argumentandum” que para Dilma houvesse a supressão do processo de impeachment sendo cassada ou colocada no limbo por uma medida do Supremo! Os que ululam Golpe, Golpe!!! Mais frenéticos ficariam com esta supressão de instâncias e procedimentos. No entanto, com relação a Cunha, com direitos de imunidades, sejam elas materiais, aquelas em que está blindado por atos e palavras, seja ela aquela formal ou processual, em que se abre sim processo perante o Supremo, mas, no entanto, obedecendo a regra constitucional submete-se este conhecimento de abertura de processo à Camara interessada, seja a Câmara dos deputados ou Senado, sendo que eles poderão decidir, no prazo de 45 dias, por maioria simples de votos, se suspendem ou não o processo aberto perante o Supremo!!! Este é o teor do artigo 53, incisos 3§, 4§ e 5§ da Constituição Federal a que o Supremo Tribunal Federal, fazendo interpretação extensiva da constituição, no que a doutrina e a práxis constitucional proíbe, suprimiu num passe de mágica e a jato, segurando de dezembro até maio objeto de eventual liminar, que no espaço de um dia apenas, de inopino, sem o exercício do amplo contraditório suprimiu o voto das urnas substituindo pelo voto dos indicados!!! Imagine se ao invés de Renan Calheiros, tivéssemos no senado à Cunha e este, ad argumentandum, da mesma forma, suprimisse os direitos dos Ministros do Supremo e do Procurador Geral da República, dando rapidez ao um processo de impeachment através da denúncia de qualquer um do povo?! Ele , Calheiros, não o fará!!! Assim a tranca da porta de trás que hoje fortifica a força da caneta do Supremo e do Procurador Geral da República é Renan Calheiros, senador da república, pelo menos eleito e tão “famoso” como Dilma e Eduardo Cunha. Viva a Democracia Brasileira onde o voto não vale e é substituído pela caneta do regime do quem indica!!! A permissão que se fez ontem de legítima cassação de mandato desprezando a imunidade formal de órgão que presenta a Câmara, exercida contra um Poder, é tão odiosa e tão nefasta, independentemente da condição pessoal do acusado, como se suprimíssemos ou cassássemos a Presidente ou qualquer dos Ministros do Supremo, ou o Procurador Geral da República ou Juízes e autoridades e mesmo cidadãos comuns, suprimindo, como foi supressa ontem a vigência da Constituição da República através de analogias com o Código de Processo Penal, que não diz respeito ao processo constitucional, ou com relação a matéria constitucional que não permite interpretações extensivas mas é restritiva ao máximo em razão de manifestação do PODER ORIGINÁRIO DO SOBERANO que juízes indicados e mesmo os órgãos eleitos do Executivo e Legislativo, PODERES CONSTITUÍDOS, mesmo eleitos quando no caso, não detém e nunca deterão pois só o POVO SOBERANO É O DEPOSITÁRIO ORIGINÁRIO DESTA SOBERANIA CONSOLIDADA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Mais candente ainda se torna a lição do tropeiro humilde e lidador das coxilhas gaúchas que em 1893 e 1923 bradava numa aula eterna de Direito Constitucional: “Nós queremos leis que governem os homens e não homens que governem as leis!!” ESTA É A ANÁLISE DA CRÍSE PROFUNDA QUE VIVEMOS…econômica, política, social, e notadamente jurídica!!!