IMPEACHMENT DE COLLOR SIM, DE LUGO NÃO!
Hoje ao receber minha Zero Hora pela manhã fui surpreendido pelas manchetes garrafais tratando a respeito do processo de impeachment do presidente paraguaio Fernando Lugo. Por força do ofício, sou professor de Direito Constitucional há mais de 27 anos, devorei o jornal lendo as matérias a respeito minunciosamente. Em todas elas, desde a manchete da capa e seu olho de matéria, logo abaixo da fotografia dos apoiadores do presidente, mas também aquela assinada pelo jornalista Léo Gerchmann, fls. 10, “Continente sob risco de contágio”, que soma-se ao editorial de fls.16, sob o título “A crise do Paraguai”, juntamente com o editorial assinado por Fábio Schaffner (interino), denotam e evidenciam o que consideram uma “fragilidade democrática”. A Reportagem Especial que está na página 4 do jornal Zero Hora, que inicia pela manchete “Derrubado” conclui, fortalecendo seu juízo contido no título, “que Lugo obteve solidariedade estrangeira. Recebeu telefonemas e declarações contundentes. O secretário geral da União de Nações Sul Americanas (Unasul), Ali Rodriguez, afirmou que a entidade poderá excluir o Paraguai da organização. Bolívia, Equador e Venezuela avisaram que não reconhecem o presidente empossado. A argentina Cristina Kirchner classificou a situação de “golpe”, e a presidente (deveria ser grafado presidenta como quer a própria) Dilma Roussef, antes da votação, deixou uma ameaça no ar: alertou que há espaço para “sanções” a países que não cumprem com “os princípios da democracia”.” Ora, todos os órgãos de governo citados, quando em suas manifestações, não manifestaram de forma imparcial, suas razões de estado, mas sim, de forma parcial, suas manifestações sectárias das ideologias que os levaram ao poder e que esgrimem como razões deste mesmo poder, contra o texto de suas constituições. Estão a salvo desta contradição unicamente os presidentes da Venezuela, Hugo Chaves, ditador, que já cassou a Suprema Corte venezuelana, que já fechou e cassou jornais e canais de televisão, também, na Bolívia, o presidente Evo Morales, que da mesma forma, com agitação popular, ameaça a constituição e os direitos ali sufragados, com reformas esquerdizantes que não condizem com a história boliviana e com a do mundo na fase em que está, pois desapropria capitais e investimentos estrangeiros e mesmo contra o Brasil, agiu contra a Petrobrás e nossos interesses na Bolivia. Cristina Kirchner, da mesma forma, fragilizando a imprensa e destruindo a economia argentina através de um populismo retrógrado que hoje implode o conceito de moeda e tem o povo em todas as calles protestando contra seu ativismo político. A presidente Dilma, oriunda da luta armada, que ao invés de romper com seu passado reestruturando-o como o presidente Mandela o fez, com perdão para a modernidade e para o progresso, retoma o resgate do passado, e com o rosto virado para trás e não para o futuro devolve seu país a uma discussão improdutiva para a atual realidade. Mais, num regime que combate as diatribes da truculência das ditaduras militares do passado, no entanto, adota, paradoxalmente, o mesmo tipo de alternativa com relação a manipulação da opinião pública, que é a adoção do lúdico como sua marca, como era o da ditadura. Hoje não são mais 90 milhões em ação, são, na realidade 200 milhões em ação que se jogam ao PAC, na montagem do pão e circo contido na alternativa alvitrada na saída da COPA DO MUNDO e das OLIMPÍADAS. Nós que estamos com a infraestrutura sucateada, com estradas péssimas, portos, aeroportos detonados, sem hospitais, sem escolas e universidades que não se expandiram em consonância com as novas necessidades do país, sem presídios, enfim, com a infraestrutura institucional em pandarecos!!! É o roto, falando do amassado, como o povo diz identificando a contradição. Há golpe no processamento de um processo de impeachment?! Abstraindo-se de toda a abordagem política que turba a serenidade de qualquer perspectiva isenta, do ponto de vista jurídico, unicamente, não há golpe de estado, pode-se afirmar sem nenhuma sombra de dúvida. O processo de impeachment está inserido nas constituições presidencialistas republicanas e é um mecanismo institucional em que, constatado que a autoridade titular de um cargo, por delegação do Povo Soberano, não presenta a vontade nacional de forma hígida, deve ser, assim, desvestida deste cargo. O processo foi alvitrado pela primeira vez, e de forma paradigmática, pela Constituição americana de 1787 que extraiu do bloco constitucional inglês, esta possibilidade. A Inglaterra evoluiu de um “bill of attainder”, que era uma indigitação criminal hedionda, pois feita a posteriori contra fato anterior e ainda por cima pelo Legislativo, evolui para o processo de impeachment (impedimento) e posteriormente para o que hoje se consolida como o chamado “voto de desconfiança” do sistema parlamentarista. O processo e mecanismo de jurídico, gradativamente no sistema da common law evoluiu para um instituto meramente político pois o primeiro ministro, perdendo o apoiamento no parlamento é defenestrado sem trauma algum. Aqui na América do Sul, e notadamente no Brasil, tem-se um trauma ou esta visão quando o processo possa ter sucesso. Com referência ao Sr. Fernando Collor de Mello, não, porque este era de “direita” como a esquerda quer, mas, contra qualquer órgão de estado que seja de esquerda, a esquerda esperneia e sai para a rua gritando Golpe!!! Golpe!!! Golpe antidemocrático!! Contra a democracia!!! Ora, se o sujeito é ladrão, corrupto ou subversivo da ordem pública institucional, a ordem jurídica não pode suportar o convívio de um representante que quer a destruição ou o colapso do próprio sistema!! Assim é, que embora tenhamos o instituto inserido no bloco de constitucionalidade, desde 1891, em todos os processos, com exceção do efetuado contra o Collor, todos, sem exceção geraram traumas institucionais históricos inesquecíveis. Foi assim o primeiro impeachment contra o Mal. Floriano Peixoto, contra Getúlio Vargas e contra Lula, este último, que não conseguiu nem se esboçar pois indeferido pelo presidente da Câmara dos Deputados e presidente da mesa da Câmara. Ora, se há previsão constitucional de impeachment das autoridades, dentro da Lei maior e de lei constitucional, então, não deveria haver este prurido exagerado vendo o procedimento como fragilização ou golpismo no processo democrático pois, através de previsão democrática constitucional, ele é o próprio processo democrático contra as falcatruas urdidas contra a república e a própria democracia. Sempre defendi a tese de que o Presidencialismo brasileiro sofreu como se fosse um processo de parlamentarização. Explico: A Constituição de 1988 é irmã xifópaga da Constituição de 1946. Ambas são egressas de regime de força e por assim o serem fortificaram o Parlamento dando governabilidade ao Executivo só através da manutenção de uma maioria parlamentar em ambas as casas do Congresso Nacional. A Constituição de 1988, em razão do sistema de ballottage ou duplo turno francês, foi mais longe do que sua pregressa aqui citada, para, através desse sistema derreter o sistema programático e ideológico, optando por um sistema de “concertação democrática” ou fisiologismo, através de coligações, em que os partidos políticos, ocupam e dividem as secretarias municipais, de estado e ministérios da união, partilhando o poder num sistema de capitanias hereditárias. O sistema formal brasileiro é de multipartidarismo, mas, através do fisiologismo e das composições partidárias que antecipam o sistema de coligações, este fisiologismo derrete o multipartidarismo para se ter única e substancialmente um sistema bi partidário que se projeta no situacionismo de plantão e na oposição. A condição de governabilidade, em razão do aumento da dívida pública insustentável (verdadeiro buraco negro institucional que a tudo implode) reforça mais esta posição que faz com que ocorra a fusão do núcleo duro do sistema republicano e democrático, criando uma verdadeira partidocracia que se desconecta e descola da opinião pública que deveria por ela ser representada. Nunca jamais este processo foi tão contestado pelo povo e nunca jamais a falta de prestígio dos políticos esteve com índices de repulsão e tão altos. O povo contata a afirmativa repetida por Rousseau, no Contrato Social. Dizia ele criticando a democracia representativa: “O povo inglês pensa ser livre, mas o é unicamente no momento em que coloca o voto na urna. Após, vive uma ditadura a prazo certo. Assim é que o eleitorado, como antes, no tempo de Rousseau, não tinha o controle sob os eleitos ou a legislatura, da mesma forma, os hodiernos, longe deste poder estão e distanciando-se a olhos vistos cada vez mais! Os regimes sociais democratas que pela promessa de mesotes aristotélica contida em seu ideário, deveriam ser melhores que os extremos, comunistas ou capitalistas, pelo centro, mesmo neste limite, implodem o processo democrático, a república, e o sistema constitucional, como o exemplo de Franklin Delano Roosenvelt, que corrompendo a democracia, através do new deal, perpetuou-se no poder durante quatro períodos de reeleição. Os americanos fizeram uma emenda constitucional para que não mais tivessem presidentes eternos como este. Hoje, como no tempo de Washington, os americanos que ocupam a presidência podem se reeleger uma única vez. O populismo de Franklin Delano Roosevelt, foi banido da constituição americana. No entanto, nas constituições sul-americanas ele voltou e o que era para ser uma Democracia e o império da República, foi adulterado gradativamente através da compra do voto que é o sistema urdido de bolsa isto bolsa aquilo. Gradativamente a partidocracia foi derretendo as instituições e o PODER POLÍTICO foi ficando maior que o PODER JURÍDICO. O Estado Democrático de Direito que é democrático porque político e de direito porque jurídico foi se transformando somente no exercício do político. O político está com o ser humano desde priscas eras nas sociedades primitivas, medievais e absolutistas. A partir do momento que o jurídico passou a ser institucionalizado na modernidade, com o surgimento das constituições criou-se o regime do governo das leis sobre os homens e não do governo dos homens sobre as leis. É o que Canotilho preconiza dizendo que a Constituição é o estatuto jurídico do político externando assim que o político deve sofrer uma contenção através da função jurídica que é neutral e não sectária. As funções legislativa e executiva, são funções políticas que estão sujeitas ou vinculadas – quando os atos administrativos forem vinculados ou mesmo – desvinculadas quando os atos forem discricionários. No entanto, seus atos, em última análise passam pelo condão e crivo de controle através do Judiciário, não por iniciativa deste, mas por iniciativa da cidadania que provoca a Jurisdição para que se manifeste sobre a existência ou não de agressão a ordem institucional. Fazer compreender isto aos políticos e ao cidadão comum é muito difícil pois não são todos os que cursam um bacharelato neste país e desconhecem, assim, o ritual da república e da própria democracia, apunhalando-a com sua ignorância atroz ou sua má fé invencível. Desta forma, através da leitura distorcida pela ideologia ou por seus interesses escusos, sempre o processo de impeachment, consagrado como democrático nos textos constitucionais, será sempre visto como golpista, arrivista e anti-democrático!! Eis a invencível contradição que convive no seio da “democracia” sul americana eivada ainda de feudalismo em que o coronelismo social, dono dos partidos, sindicatos e que aparelha a máquina pública com seus acoitados, brandirá sempre contra os defensores da ordem constitucional e da verdadeira democracia!! Quosque tandem Catilina abutere patientia nostra!!!!!!