A REELEIÇÃO E O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (DA SÉRIE RECORDAR É VIVER – PUBLICADO EM 2009)
O atrito público ocorrido entre os Ministros Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa revela muito mais do que o “descambar para um campo que não se coaduna com a liturgia do Supremo…”, como afirmou o Ministro Marco Aurélio. O problema que subjaz e que condiciona este encadeamento de choques perante a opinião pública e as instituições constitucionais tem certidão de nascimento datada de 04 de junho de 1997. Nesta data, através da Emenda Constitucional nº16, alterou-se o §5º do artigo 14 da Constituição Federal, possibilitando-se, desta maneira a reeleição do Presidente da República, dos Governadores de Estado e do Distrito Federal e ainda dos Prefeitos. Quebrava-se assim, um bloco de constitucionalidade histórica, de mais de 100 anos, pois todas as constituições republicanas, sem exceção, nem mesmo as da ditadura militar, permitiram este expediente que relativiza o princípio republicano. Ora, a constituição visa resguardar o estado democrático de direito. Este estado caracteriza-se como democrático por ser político através da atuação das funções legislativas e executivas. De direito porque jurídico e exercido dentro dos limites da lei que é dita pela função judiciária. Assim é que o estado democrático de direito é o governo das leis sobre os homens e não o dos homens sobre as leis. J.G. Canotilho diz, em outras palavras, que a Constituição é o estatuto jurídico do político. O político deverá ser sempre limitado pelo jurídico. No Brasil, como dizia, esta equação passou a ser dissolvida a partir de 1997. Em 04.04.1997, como prenúncio do problema, ZH publicou matéria sob o título: “STF vive clima de desconfiança”. A matéria afirmava textualmente que “os ministros não assimilaram a afirmação do presidente Fernando Henrique Cardoso de que Jobim seria o líder do governo no Supremo.” Ora, a manifestação do então presidente era a exteriorização da sua consciência de necessidade, para a plena eficácia da governabilidade, que a Constituição de 1988, exige a colaboração interativa dos freios e contrapesos, através do governo harmônico das três funções do Poder, Legislativo, Executivo e Judiciário. O consenso tácito de governabilidade, pelas maiorias, se estabelece de forma coligada no Legislativo, e também de alguma forma perante o Supremo através da indicação dos Ministros pelo Presidente da República. Hoje, dos 11 ministros que compõem a Suprema Corte, 7 foram indicados pelo atual Presidente da República. O Presidente Lula, poderia muito mais do que o Presidente FHC, falar em maioria no STF. Assim é que para limitar ou eliminar esta distorção tramita no Congresso a PEC 342, também chamada “Dino”, que preleciona um limite no tempo ao mandato dos Ministros e a indicação de somente Juízes de carreira. Esta medida, que vai ganhando massa crítica através de emendas que melhoram a sua viabilidade, é uma das medidas para que a democracia não se exerça só de forma política ao compasso das maiorias ocasionais, mas ganhe novamente o limite que lhe estabeleceu o processo de civilização, o respeito litúrgico e sisudo ao Direito. Este anseio da comunidade jurídica e da nação comunga com o primordial da extinção do processo de reeleição que foi um atentado ao regime constitucional e que persiste, por suas múltiplas afetações no chamado sistema de freios e contrapesos, em macular o atual estado democrático de direito. SÉRGIO BORJA PROFESSOR DE DIREITO