OS ARQUIVOS DO BEM
Quando li o Flávio Tavares dizendo que “o governo nos condena a desconhecer a História e ignorar a verdade dos 21 anos ditatoriais” sob o título “Os arquivos do mal,” lembrei instantaneamente do título de Charles Baudelaire, “As Flores do Mal.” Baudelaire, em seu verso 25 em advertência ao leitor, canta que “se o veneno, a paixão, o estupro, a punhalada,\não bordaram ainda com desenhos finos\a trama vã de nossos míseros destinos,\é que nossa alma arriscou pouco ou quase nada.” O Brasil inteiro é testemunha de que Flávio Tavares, em determinada fase de sua vida, a da ditadura, por ideal, arriscou tudo inclusive a própria vida. Eu, em 1964, tinha 14 anos. Era um menino. Em 1969, quando Flávio Tavares, junto com outros guerrilheiros, terroristas e ativistas, posando em foto histórica, foi trocado pelo embaixador americano Charles Elbrick, seqüestrado para tanto, eu, em novembro, recém havia completado 19 anos e também ingressara na Faculdade de Direito. Ortega y Gasset afirma que “o homem é sua circunstância.” Minha geração e as que se seguiram, dentro de sua circunstância, ajudaram a construir o Estado Democrático de Direito. Quando Brizola voltou para organizar seu partido eu estava lá, minha inscrição era a de nº110, e eu vi o Flávio Tavares em algumas reuniões naquela época. Eu na Juventude Socialista convivia com o Pedro Ruas, o Arnaldo Guimarães, com o Minhoca “De Ré”, com o Dinho Daut e a Nereida Brizola. Meu colega de direito, o Índio Vargas, também estava lá. Eu trabalhava junto com a turma do Carlos Franklin Paixão de Araújo. Muitas vezes fui em sua casa na zona sul e inclusive conheci a Dilma Roussef. Quando o Brizola fechou com a ARENA, para disputar o governo do estado sob o comando do companheiro Aldo Pinto, eu, de forma coerente sai do PDT e fui fundar outra agremiação. Uni-me ao Petracco, ao Pilla Vares, ao Newton Burmeister, ao Jair Kritscke, aos “Prestistas” de Passo Fundo e ao Beto Albuquerque, para fundar o PSB. Minha inscrição nesta agremiação era de nº10. Da mesma forma, em várias reuniões, ali na sede do Partido, na Galeria Chaves, vi o Flávio Tavares, os Pinheiro Machado, e outras figuras históricas. Em todas oportunidades, como militante comum ou mesmo candidato, participei, ao lado da esquerda, na caminhada que nos trouxe até aqui. Os vai e vens da política me fizeram ao longo da trajetória voltar ao PDT. Lá estava a velha matriz do pensamento trabalhista que ministrava, nas palavras de Vargas, “somos a meia estação entre o capitalismo e o socialismo” a promessa auferida empiricamente através de minha maturidade, hoje ornada pelos meus 60 anos, e mais, pela realidade que irradia de forma incontrastável através do exemplo europeu, que unindo Leste e Oeste, sepulta de vez a guerra fria e, através de uma social democracia real, projetada através dos vetores jurídicos constitucionais do Tratado de Lisboa, retrata a União Européia, como um macro estado pós-nacional unido por uma nova concepção de federação. Ora, a Europa julgou em Nuremberg, no mesmo ano que terminou a guerra, todos os criminosos nazi-facistas. Eu cheguei depois do Flávio e já sou idoso. Imagine-se em relação a ambos os campos, seja direita ou esquerda, qual a idade dos antigos contendores? Ou são defuntos e múmias petrificadas, ou então, autênticos e encarquilhados “maracujás de gaveta”. Fico com Cristo e viro a outra face à bofetada do passado. Juridicamente a condição de os adversários julgarem seus oponentes enseja o que se qualifica como suspeição. Em política, pode ter o nome de intolerância, revanchismo ou parcialidade. De mais a mais, usando de coerência tanto a tortura como o terrorismo ou seqüestro, são todos crimes imprescritíveis e hediondos. Nesta lógica não haveria inocentes em ambas as alas. A guerra fria, do século XX terminou como a cognominada Era dos Extremos, de Eric Hobsbawm. Não vamos internalizá-la no Brasil do Século XXI onde teremos a Copa, a Olimpíada e o já factível “Milagre Brasileiro de Lula.” Não vamos construir o paradoxo do Juiz Baltasar Garzón, representante da Soberania da mesma Espanha que produziu Franco e Torquemada, arrogando-se paradoxalmente o direito de julgar o tirano Pinochet. Vamos sim, construir novas pontes para substituir as construídas pelas Ditaduras, que já estão a ruir com as cheias. Vamos construir novas estradas, escolas, hospitais, usinas hidroelétricas e novos presídios, pois os das Ditaduras, de Vargas e dos Militares, usados pela Democracia, por estes já mais de 21 anos, estão todos decrépitos e caindo ou foram vendidos (PRIVATIZADOS) pela mesma e até agora não foram substituídos. Vamos construir o futuro companheiros!!! Eu sou daqueles muitos anônimos e desconhecidos que vim até aqui mas, não mais os acompanharei, se for para calar a Imprensa, suprimir o direito dos proprietários rurais ou urbanos e implantar uma hegemonia unilateral extirpando a diversidade do pensamento. Idoso, mas sem rugas no espírito, lutarei contra a implantação de eventual ditadura de esquerda, com o mesmo denodo e a coerência que lutei para implodir a ditadura da direita. Não trairei meu ofício de velho professor de Direito Constitucional lutando sempre pelo Estado Democrático de Direito, o império da Lei e de uma Constituição, espelhos supremos da vontade do Povo Soberano. Vamos isto sim, companheiros, construir os Arquivos do Bem!!! SÉRGIO BORJA – PROFESSOR DE DIREITO DA UFRGS E PUCRS.