O TODO PODEROSO CONGRESSO NACIONAL
Você me pergunta o que acontecerá com a eleição de Paulo Paim e e Ana Amélia Lemos ? Eu tenho que lhe fazer algumas colocações antes de uma resposta final. A chamada “democracia” que vivemos sobre o pálio da Constituição de 1988 se estriba sobre o Congresso Nacional. A Constituição de 1988 tem uma identidade com a Constituição de 1946. Ambas são fruto e egressas de regimes ditatoriais. Nesta razão direta, ambas, adotaram mecanismos que relativizaram o poder do Executivo colocando-o diretamente monitorado pela fiscalização do Congresso. A Constituição de 1988 no afã de construir uma verdadeira democracia foi mais longe. Construiu uma verdadeira “parlamentarização do sistema presidencial brasileiro.” Foi esta tese que defendi no concurso público que fiz com vista ao cargo de Professor da cadeira de Instituições de Direito, no ano de 1993, perante a Faculdade de Direito da Ufrgs. A parlamentarização se dá no sentido de que a governabilidade toda ela é fornecida pelo Congresso. O Presidente da República não pode governar ou perde a governabilidade se perder a maioria congressual. Para indicar ministros, seja do executivo, seja do judiciários para os Tribunais Superiores, para indicar o Procurador Geral da República, Chefe do Ministério Público Federal, para indicar o Consultor Geral da República, Chefe da Advocacia Federal, para a concessão de canais de televisão ou rádio, enfim, para tudo, o Presidente da República, necessita da aquiescência do Congresso Nacional, inclusive para a aprovação de leis de seu interesse. Estes mecanismos que transferem poder do Executivo para o Legislativo, na Constituição de 1988, são expressos e são reforçados politicamente pela instituição do Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, que introjetam dentro do Executivo a representação da Parlamento Nacional, estabelecendo como se fosse uma sintonia fina entre Legislativo e Executivo em que o primeiro transmite para a sensibilidade política do segundo os condicionantes a manutenção da governabilidade. Corroborando mais esta situação, a Constituição de 1988, traz um mecanismo introduzido pela primeira vez no regime constitucional ou bloco de constitucionalidade brasileira que é o sistema de “duplo turno francês” ou chamado sistema de ballotage. Pelo duplo turno francês, que veio para o bem, a fim de dar legitimidade aos executivos a conta de somar uma maior consenso eleitoral, aconteceu um fenômeno, para o mal, que é a dissolução partidária em termos programáticos e ideológicos. O preço do consenso foi a extinção e a morte das ideologias sendo que o sistema partidário formalmente considerado multipartidário, substancialmente na realidade fundiu-se em apenas dois blocos maniqueístas contrários que resultam em mega-frentes partidárias coligadas que dissolvem, realmente, o multipartidarismo transformando o sistema em bi-partidário. Assim é que há uma afetação institucional jurídica advinda do processo de dissolução partidária e da sua fusão fisiológica na luta pelo poder e unicamente pelo poder e cargos que resulta das coligações de segundo turno que levam a rifa de Secretarias e Ministérios e a fusão de partidos com ideologias diametralmente opostas, no interesse de preservar o poder e os cargos para seus cabos eleitorais. O eminente professor Giusti Tavares em sua obra clássica os Sistemas Partidários e o célebre constitucionalista Karl Loewstein autorizam a leitura de que a fusão partidária leva também a uma fusão da tripartição do poder ou mesmo como diz este último ao processo de parlamentarização, pois conforme Karl Loewstein, no parlamentarismo não há separação de poderes. Se no sistema parlamentarista o “engripamento” do poder é remediado pela possibilidade do voto de desconfiança, no sistema Presidencial Parlamentarizado, como é vigente aqui no Brasil de acordo com a Constituição de 1988, isto não é possível pois após o affair Collor de Melo, em 1992, com a modificação do sistema do processo de responsabilização do presidente através do processo de impeachment houve uma reinterpretação pelo Supremo Tribunal Federal que suprimiu a possibilidade da Câmara ter um processo inquisitório e um processo contraditório, através de duas Comissões, que redundariam ao fim, na autorização ou não para que o Presidente fosse processado pelo Senado. Após o affair Collor foram suprimidas totalmente as duas fases autorizadas pela leitura da antiga lei 1759 de 1950 facultada à Câmara unicamente, a autorização ou não de processo simplesmente. A acumulação de todos estes mecanismos fez com que a Parlamentarização do Presidencialismo Brasileiro chegasse ao seu clímax tanto é, que o efeito maior, de que “a rainha reina mas não governa” é o fenômeno após Collor de que todos os Presidentes da República passam só viajando sendo que o “Primeiro Ministro”, pode-se dizer assim, passou a ser a partir daquele momento histórico, o Chefe da Casa Civil. Este é realmente o anteparo ou o para-choque institucionalizado através da praxe do regime constitucional brasileiro hoje vigente. Quase todos os Chefes da Casa Civil, daquela data em diante ou tiveram de renunciar no auge de crises ou estão sendo processados por crimes sendo que os Presidentes, por não terem feito se envolvido diretamente conseguiram manter seus cargos mesmo ameaçados por processo de impeachment que não prosperou. O pior nisto tudo é que o partido maior, por enquanto o PMDB, é que dá a governabilidade para qualquer dos pólos do atual maniqueísmo, socialismo ou liberalismo, pois é ele que estabelece através de coligação com um ou com outro a governabilidade pelo seu grande cacife que é o número de deputados e senadores eleitos. Até aqui foi o PMDB que deu governabilidade à Fernando Henrique como ao Lula por isto a política de meta de inflação do Banco Central que coloca Meirelles no cargo pelo longo período de já 16 anos de manutenção da mesma política com algumas mudanças em face das condicionantes oriundas das oscilações dos mercados globalizados e das crises que afetaram o sub-sistema nacional. Outro problema maior do Congresso Nacional e isto nasceu com a Constituição Cidadã de 1988 é que através da implantação do art. 45 e seu parágrafo único, ocorre uma transferência de poder para o Norte\Nordeste pois os votos destes estados com menor população são duplicados ou até quadruplicados em contraste com os estados mais populosos do Sul, seja Rio Grande do Sul ou São Paulo. Este mecanismo passou de contrabando para a Constituição de 1988 mas foi importado pelo Centrão que copiou a alternativa do Ato Institucional nº1 de 1969, o que, inclusive, no contraste de aferição do Soberano, entre Executivo e Legislativo, reduz a capacidade deste na medida em que os votos reais existentes no sul e sudeste são virtualmente cassados por este processo capcioso reduzindo substancialmente o Soberano representado no Congresso embora formalmente e materialmente este se projete e condicione o Soberano emanado e obtido por sufrágio diretamente proporcional com relação ao Executivo. São estas as mazelas que levaram inclusive, com a reforma causada pela Emenda n º16, que foi um verdadeiro golpe Congressual na Constituição pois a chamada Democracia, que deveria ser melhor que a Ditadura, quebrando o bloco de constitucionalidade histórica do Brasil, permitiu aos Presidentes a reeleição, o que não era permitido nem aos generais e marechais da ditadura a Democracia o fez. Isto agravou ainda mais os checks and balances ou freios e contrapesos constitucionais pois o atual Presidente, coonestado pela maioria que lhe dá governabilidade, indicou nada mais nada menos do que 7 ministros dos 11 do Supremo Tribunal Federal. Isto dissolve o regime do Estado Democrático de Direito. O Estado é Democrático porque Político, realizado pelas funções Legislativa e Executiva, no entanto este Poder Político deverá ser controlado pelo Poder Jurídico. Quando a lei é feita ela tem a anuência do Legislativo com o Executivo que procedem no processo do art.59 da Constituição, no entanto se estas leis forem ilegais ou inconstitucionais, quem é a boca da Lei ou deve ser a boca da lei é o Judiciário. No entanto com os juízes das Cortes Superioras sendo indicados pela Partidocracia que agora governa o país, o Poder Jurídico se derrete e fica também sendo um Poder Político. Assim não estamos mais em um Estado Democrático de Direito mas num estado Político. A lição é da história é que a Política não tem limite ou não limita o seu Poder e assim vemos o derretimento da Ordem Jurídica que é contestada pelo escândalo do protesto de um Tiririca que canta: Vote no Tiririca pior que está não fica. Estamos numa guerra civil nas ruas onde as pessoas são assaltadas e mortas à bala. O sistema de saúde está quebrado completamente pois a Democracia não construiu um hospital. A democracia não construiu uma escola ou universidade simplesmente agrega prédios que já existem e cria fantasias no ministério do ar. A Democracia que aí está é como uma galinha que cacareja há 20 anos para botar um ovo que até agora não se vê. Os presídios da Democracia são calabouços medievais. A Democracia é eleita pelo poder legal mas imoral do capital oligopolista e bancário que nunca teve tantos lucros. Quem está no poder não é o Povo Soberano mas o Poder Ec onômico dos grandes Oligopólios rentistas. Temos liberdade de comprar carros, panelas, refrigeradores e tudo o mais. Mas não temos segurança, nem saúde ou educação. Então viva a Liberdade do Capital mas não a Liberdade das Pessoas. Os oligopólis estão terminando até com os recursos processuais que são garantias protegidas pelo art. 60 da Constituição, são as chamadas cláusulas pétreas constitucionais que não poderiam ser revogadas. No entanto aí estão as reformas que vem contra os trabalhadores e funcionários retirando-lhes os direitos trabalhistas e previdenciários. Os parlamentares eleitos deveriam lutar para restaurar a Constituição e o Poder do Povo Soberano mas duvido que tenham o conhecimento de todo o problema jurídico e econômico para terema a real dimensão de sua tarefa árdua. Eu digo isto escudado na experiência de 25 anos lecionando Teoria Geral do Estado e Direito Constitucional. 20/10/2010